Crises de mercados e de instrumentos Paulo R. Haddad*
Política

Crises de mercados e de instrumentos Paulo R. Haddad*


Para projetar o seqüenciamento, a intensidade e a cadência da atual crise econômica global é preciso distinguir as crises econômicas que nascem da desestruturação de mercados específicos de maior expressão (ações de empresas de informática, habitações, etc.) e as crises econômicas que se originam da perda de eficácia de instrumentos econômicos de maior relevância.

Por mais importante que seja um mercado em termos de geração de renda e de emprego, assim como dos interesses econômicos envolvidos em torno de sua cadeia de valor, a sua desestabilização decorrente de estratégias inconsistentes entre os conflitos de interesses dos seus protagonistas admite um equacionamento relativamente rápido e de menor efeito de espraiamento tóxico. Trata-se de definir como distribuir as perdas e danos em termos de fluxos (rendimentos presentes e futuros) e em termos de estoques (desvalorização de ativos) que surgem nesses mercados.

Na história recente do Brasil, temos vários exemplos de crises de mercado que encontraram soluções rápidas e flexíveis por meio de negociações internas entre os protagonistas, mas quase sempre com algum tipo de intervenção governamental. Assim ocorreu, por exemplo, com o Fundo de Compensação da Variação Salarial, que subsidiou a compra da casa própria no País, cujo rombo (o nosso subprime) foi coberto, em última instância, pelo Tesouro Nacional.

O atual contexto da crise econômica global é de amplitude muito maior do que uma crise no mercado imobiliário norte-americano, ainda que se considerem todas as suas repercussões recessivas. É uma crise nos instrumentos de crédito e de financiamento - a mais importante alavanca de desenvolvimento do capitalismo moderno. As razões da perda relativa da eficácia desses instrumentos de política econômica e de política de desenvolvimento vêm sendo analisadas ad nauseam pelos diferentes meios de comunicação. Neste curto espaço, gostaria de destacar apenas três observações.

Em primeiro lugar, não se tem avaliado a crise em suas dimensões da ética do capitalismo. Por exemplo, quando analisados os fundamentos éticos e epistemológicos da cosmovisão de Keynes, leva-se a questionar sobre o caráter científico de uma disciplina econômica que se considera autônoma e tem a pretensão de uma vida própria, deixando para as forças desacorrentadas dos mercados financeiros a expropriação da poupança acumulada de aposentados e de grupos sociais de renda média pelo jogo da assimetria de informações. Da mesma forma, destaca-se a análise de Keynes sobre as perspectivas do capitalismo, quando a economia é submetida aos poderes do sistema financeiro e aos efeitos nefastos da especulação. Keynes dizia que o capitalismo somente poderia encontrar legitimidade se as pessoas de renda mais modesta continuassem a acreditar que as pessoas mais ricas mereciam sua sorte graças às suas contribuições construtivas para a sociedade, e não graças à especulação e ao roubo.

Em segundo lugar, não se pode esperar que as crises de instrumentos venham a ter o mesmo encaminhamento de solução que as crises de mercados. Nestas, a abordagem é incrementalista: ajustes são feitos na margem das políticas macroeconômicas para reequilibrar os interesses dos protagonistas em mercados com turbulências. Naquelas, basear as ações em termos de mudanças marginais ou incrementais (expansão da liquidez, capitalização de bancos, etc.) pode significar uma conduta tímida e insuficiente. É indispensável, pois, modificar ou reestruturar os padrões comportamentais, as normas de conduta, as estruturas regulatórias, etc., das instituições que dão suporte ao funcionamento e à eficácia do instrumento.

Finalmente, coloca-se a questão da tempística nas soluções da crise, ou seja, a definição de critérios que possibilitem executá-las no tempo ideal, com os melhores resultados possível. Intuitivamente, pode-se afirmar com relação aos três parâmetros básicos de uma abordagem tempística: uma seqüência longa e dolorosa, típica de reformas institucionais de instrumentos globalizados; uma cadência imprevisível, típica dos ambientes de quebra de confiabilidade; e uma intensidade duvidosa, pela dificuldade de mobilização de atores e instituições com diferentes estágios de evolução.



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