Política
Da Resignação à Indignação
O fim-de-semana ficou sem dúvida marcado pelas chamadas “manifestações dos indignados”. Em cidades de todo o mundo ouviram-se muitas vozes contra o actual estado de coisas. Manifestaram-se contra a actual crise financeira, as suas causas e a forma como está a ser gerida, contra a desregulamentação dos mercados, contra um status quo político que tudo assume como inevitabilidade, sempre atento à estabilidade financeira mas pouco preocupado com o bem estar dos povos. Protestou-se também contra a falta de qualidade da democracia, contra o distanciamento entre eleitos e eleitores e a favor de uma democracia mais aberta à participação dos cidadãos. E houve até quem ligasse, e bem, todas estas questões à dimensão ambiental, sublinhando o desrespeito do modelo económico actual e o consumismo em que assenta o mesmo para com o meio ambiente.
É certo que todas estas causas convenientemente agrupadas sob a chapéu da indignação, parecem à primeira vista pouco mais do que uma grande salganhada. Não é pois de estranhar que no sábado tenhamos ouvido jornalistas a dizer que se trata de um movimento sem ideologia certa, unido apenas pela indignação. Se tal assunção até não soa mal quando dita num qualquer directo, revela no entanto uma miopia significativa. Como se não fosse visível a olho nu que a indignação crescente reúne-se consensualmente na crítica, mais ou menos construtiva, ao modelo político e económico que o Ocidente conheceu nas últimas décadas: a democracia representativa (que satisfaz um número cada vez menor de cidadãos) assente na economia de mercado (que, baseada num sistema financeiro internacional totalmente desregulado, nos trouxe ao panorama actual). Posto isto, a ideologia destas movimentações será assim tão difusa? Julgo que não.
E as manifestações de sábado mostraram isso mesmo. Sobretudo em Portugal. Se na gigantesca manifestação do 12 de Março apenas era consensual a crítica ao Executivo de então, este 15 de Outubro foi diferente. Por um lado, denotou-se que quem lá estava, protestava com uma convicção clara: de que a austeridade não é o caminho, que afundará a economia portuguesa e que a solução para o problema em que o país se encontra está longe de poder ser restrita ao âmbito nacional. Por outro lado, os números da adesão, mas não só, demonstram que a resignação parece estar a dar lugar à indignação. Sobretudo com os cortes dos subsídios da função pública, o país parece ter começado a perceber o que são políticas recessivas. Subitamente, o colega de trabalho (que até é um fulano calmo), a vizinha do 2º dto (que não gosta de políticas) e o Sr. Carlos do café (que apenas fala do tempo e da bola) começam a deixar transparecer a sua indignação.
A resignação começa a dar lugar indignação porque as pessoas sabem que tal é o mínimo que podem fazer perante o que se está a passar. Demonstram assim que não estão com vontade de pagar uma crise que não provocaram e que não acreditam que a austeridade seja o caminho para a ultrapassar. Como é sabido, é nos momentos de crise, envolvendo tensão e até conflituosidade, que surgem as grandes mudanças. Daí o tão repito chavão do “fazer da crise uma oportunidade”. Mas se até agora os defensores do “temos vivido acima das nossas possibilidades” estavam a levar a melhor, a situação parece estar efectivamente a mudar. O conjunto alargado de movimentos sociais em todo o mundo está de facto a despertar consciências com o seu apelo à indignação e a sua exigência de um mundo melhor, mais justo, mais democrático, mais amigo do ambiente. No fundo, um mundo onde as pessoas são mais importantes que os mercados. Simples, não?
Artigo publicado na terça-feira no Açoriano Oriental
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