O TCU pode punir autoridades de saúde de
Campo Grande por omissão no combate à dengue
Marcelo Bortoloti
Ademir Almeida | INEFICIÊNCIA O combate ao mosquito da dengue, na capital de Mato Grosso do Sul, começou com a epidemia já instalada |
O Tribunal de Contas da União está prestes a dar um passo importante rumo à punição dos maus gestores públicos. Um processo que será julgado no princípio deste ano pode condenar quatro administradores da Secretaria de Saúde de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, por omissão e ineficiência. Segundo o relatório do TCU, a falta de ação permitiu o surgimento de uma epidemia de dengue na cidade em 2007. A doença atingiu 46.000 pessoas e provocou duas mortes. O caso abre precedente para a instauração de processos não apenas quando há desvio ou malversação de dinheiro público, mas também quando esse dinheiro não é gasto no que deveria. Embora desde a Constituição de 1988 o TCU tenha autoridade para punir o mau gestor, o tribunal reluta em entrar nesse mérito, pelo receio de interferir na autonomia do Executivo. Mas no caso da dengue as consequências são claras, e os responsáveis têm ficado impunes.
O exemplo de Campo Grande traz todos os elementos que caracterizam a omissão. Em 2006, o município recebeu 4 milhões de reais do Ministério da Saúde para enfrentar a dengue e descumpriu as metas. A epidemia ocorreu no verão seguinte. De acordo com o TCU, a administração local só contratou os agentes de saúde para combater o mosquito quando a epidemia já estava instalada. Houve falhas nas visitas a residências, e os relatórios não alertaram para a possibilidade de surto. Nem a aspersão de inseticida foi feita de maneira adequada. Houve apenas duas mortes, um número abaixo do esperado. Mas isso, no entender do TCU, não redime as autoridades. O processo responsabiliza o secretário municipal de Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o chefe do serviço de controle de vetores, Alcides Divino Ferreira, o ex-coordenador de vigilância em saúde Eugênio Oliveira Martins e a atual, Emília Kanomata. Eles podem ser punidos com multa de até 24.000 reais e inabilitação para o exercício de função pública por até cinco anos.
As irregularidades foram constatadas por uma auditoria do TCU em 2007, destinada a investigar a aplicação de 541 milhões de reais repassados a estados e municípios em 2006, por meio do Programa Nacional de Controle da Dengue. A auditoria foi realizada em 23 cidades de catorze estados, e constatou-se que na maioria faltavam equipamentos e pessoal treinado. Se aprovada, a condenação abre precedente para a punição de outros gestores omissos. No Rio de Janeiro, por exemplo, a prefeitura não gastou 5,5 milhões de reais destinados ao combate à dengue em 2006. A cidade teve 25.000 casos da doença e 26 mortes em 2007. O descaso permaneceu em 2008, quando houve 123.000 casos e 106 mortes. "Se o procedimento de um gestor público é ineficiente e ineficaz, abre-se o caminho para que ele preste os devidos esclarecimentos sobre sua conduta, porque a sociedade não admite mais esse modo de agir", escreve o ministro Valmir Campelo, na decisão que deu origem ao processo. Ou seja, para acabar com a dengue no Brasil, é preciso matar o mosquito e também o descaso.