Política
Desatando a economia - ROLF KUNTZ
O Estado de S.Paulo - 12/09A presidente Dilma Rousseff deixará um bom legado se conseguir desatar a economia brasileira e liberar seu potencial de crescimento, por enquanto limitado a uns 4% ao ano. É um limite muito estreito para um país com um passivo social tão grande e exposto a uma competição internacional cada vez mais dura. Não se irá muito longe investindo cerca de 19% do Produto Interno Bruto (PIB), como nos últimos quatro anos, e ainda será preciso um bom esforço para alcançar os 24% indicados como meta oficial para o médio prazo. Não se trata só de justificar, por prestígio, a manutenção da letra B na sigla Bric. Longe de ser um luxo, a expansão econômica acelerada é uma necessidade para os países desse grupo. O Brasil tem andado fora do ritmo. Agora, o novo plano de logística, a desoneração da folha de salários e a redução da conta de energia elétrica podem ser o início de uma nova política, menos populista, menos retórica e mais voltada que a do governo anterior para o aumento da eficiência geral da economia. Essa nova orientação é por enquanto uma promessa. Mas a ação da presidente pelo menos indica o reconhecimento de problemas importantes e nunca enfrentados nos últimos dez anos.O próprio governo é um desses problemas. A presidente o reconhece, implicitamente, ao atribuir maior importância ao setor privado para a expansão e a modernização da infraestrutura de transportes. Seu discurso é marcado pelas bravatas de sempre, quando ela critica a ação das concessionárias, cobra maior respeito aos consumidores e anuncia mais controle sobre as prestadoras de serviços ("vamos acabar com monopólios do passado e serviços distorcidos", prometeu). Mas ela sabe, sem admiti-lo, do péssimo desempenho do setor público na elaboração e na execução de projetos. Isso vale para a administração direta e para a indireta.Em março, o Tribunal de Contas da União (TCU) alertou para o atraso em quase todos os projetos de adaptação dos portos para a Copa de 2014. Na maior parte, as obras nem haviam começado e em vários casos havia sinais de graves irregularidades. No primeiro semestre, as sete Companhias Docas, empresas mistas, aplicaram apenas 7,5% do orçamento previsto para o ano. Um pacote para o setor portuário, ainda em elaboração, deve ser lançado em breve. A importância do problema ultrapassa amplamente os compromissos assumidos para a realização dos jogos. Os planos do governo incluem a participação do setor privado na administração tanto de portos quanto de aeroportos.O Ministério dos Transportes, responsável por vários dos maiores projetos do governo federal, foi o ponto inicial da faxina realizada no ano passado pela presidente Dilma Rousseff. Depois da limpeza, seus desembolsos emperraram. Neste ano, até agosto, ficaram R$ 2,5 bilhões abaixo do total aplicado um ano antes, R$ 5,5 bilhões. Aparentemente, é muito mais complicado cuidar dos investimentos em rodovias e ferrovias quando o administrador tem de respeitar certas regras de bom comportamento. No mês passado, 236 ações previstas para este ano continuavam paralisadas no ministério, segundo levantamento divulgado pela organização Contas Abertas.A administração federal nem sempre foi tão incompetente. Raramente foi flagrada em tantas irregularidades. Além disso, talvez nunca tenha sido tão amplamente loteada e aparelhada para atender a objetivos particulares - pessoais ou partidários - de governantes e de seus aliados. A crônica dos desmandos cometidos no Ministério dos Transportes, desde o governo passado, ainda é conhecida de forma incompleta. Novos detalhes apareceram recentemente em depoimentos prestados à CPI do Cachoeira. Talvez nem todas as novidades sejam total ou parcialmente verdadeiras, mas nenhuma delas destoa das histórias correntes sobre os costumes políticos de Brasília.Aparelhamento, loteamento de governo e irregularidades no uso de recursos públicos prejudicam tanto a moralidade quanto a eficiência da administração pública. São também problemas econômicos, porque se refletem na produtividade geral do País e comprometem o poder de competição dos produtores nacionais. Quando a presidente lançou seu plano de logística, anunciando concessões e parcerias público-privadas, alguns analistas apontaram uma possível mudança ideológica. Poderiam ter apelado para uma explicação mais simples e provavelmente mais realista: a alternativa seria uma reforma muito mais ampla e politicamente muito mais difícil de toda a máquina federal. Uma faxina mais completa seria apenas parte desse trabalho. Ainda faltaria recriar e difundir os valores de competência e de eficiência existentes, em outros tempos, pelo menos em setores da administração. Mas também para uma associação com o setor privado o governo precisará ser mais competente.
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