Não é nenhuma novidade a informação de que os assentamentos contribuem para o desmatamento da Floresta Amazônica. No ano passado as Procuradorias da República em Santarém e Altamira já haviam solicitado o cancelamento de várias portarias emitidas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) criando novos assentamentos por falta de viabilidade ambiental e social dos projetos. Os números recém-divulgados impressionam, mas usá-los contra a reforma agrária - ainda necessária num país profundamente marcado por desigualdades de toda natureza - seria tão leviano como utilizá-los para atacar indiscriminadamente o agronegócio.
A relação entre reforma agrária e meio ambiente sempre foi problemática. Assentamentos humanos em ecossistemas frágeis e áreas já degradadas, exploradas por produtores sem assistência técnica e tecnologia adequada, contribuem para reproduzir e reforçar a degradação ambiental. Nos últimos anos muitos estudos revelaram os danos provocados por projetos implantados sem planejamento, sob pressão de conflitos sociais reais e artificiais e em locais impróprios. Nessas condições, a única fonte imediata de riqueza é a madeira e a sobrevivência para os que ficam depende da derrubada da floresta.
Os assentamentos apenas reproduzem o tradicional sistema da agricultura itinerante, conhecida como roça e coivara. Antes, o pioneiro abria, com foice, machado e fogo, uma clareira para plantar a roça, que após 2 ou 3 anos perdia a fertilidade e era abandonada para a reformação da mata. O processo se sofisticou: hoje, os assentados contam com ajuda oficial para implantar atividades que requerem a derrubada da floresta e terceirizam a exploração da área para madeireiros antes de queimá-la para implantar os sistemas de produção baseados na combinação de gado, roça para subsistência e alguma cultura permanente, que têm se mostrado inviáveis. Nada diferente do que sempre foi feito pelos movimentos de ocupação da fronteira no Brasil.
A associação entre reforma agrária e desmatamento mistura dois problemas distintos. O primeiro se refere à racionalidade e sustentabilidade do modelo de reforma agrária que vem sendo posto em prática no País e o segundo, ao desmatamento propriamente dito. Em mais de um artigo neste mesmo espaço já apontamos que o modelo de reforma agrária precisa ser radicalmente repensado: a distribuição de lotes para famílias sem-terra, muitas das quais sem experiência como pequenos agricultores e sequer como trabalhadores rurais, explorados individualmente ou em projetos coletivos, cuja coesão depende de estrito controle ideológico, implantados em áreas que, para suportar a manutenção das famílias assentadas, exigiriam investimentos e tecnologia muito superiores ao disponível e viável para um país como o Brasil, não responde a nenhum dos objetivos da reforma agrária.
Em relação ao desmatamento, é preciso reconhecer que o tema vem sendo tratado de forma emocional, o que dificulta a busca de alternativas. Não é possível ocupar novas áreas e manter intacta a floresta. O simples adensamento populacional nas regiões de fronteira implica necessidade de mais terras para assegurar o sustento da população; as cidades se expandem à custa da mata; a infra-estrutura exigida e decorrente do desenvolvimento também colide com o ideal preservacionista. No papel, parecem consistentes as recomendações para explorar os recursos florestais não madeireiros, a valoração do ambiente no mercado de carbono, o extrativismo e até a manutenção de 80% de reserva legal. Aqui se aplica o senso comum que diz que "na prática a teoria é outra". A verdade é que são poucas e de aplicação limitada no território as soluções preservacionistas.
Tal como vem sendo tratado, desmatar é crime e todos têm sido criminalizados, indistintamente, pelo desmatamento. O problema é que ainda não conhecemos outra maneira de ocupar a fronteira e as poucas idéias que circulam têm pequena viabilidade econômica. Como os mecanismos de controle são frágeis, a começar pela desatualização do cadastro de terras, e faltam incentivos para preservar, a começar pelo mais fundamental que é a regularização da propriedade da terra, o ritmo do desmatamento deve manter seu curso, ignorando as ameaças oficiais, os conselhos de desenvolvimento sustentável e os protestos internacionais.
*Antônio Márcio Buainain é professor do Instituto de
Economia da Unicamp (
[email protected])
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