Dia Internacional da Mulher (II)
Política

Dia Internacional da Mulher (II)


A criação do Dia Internacional das Mulheres não tem qualquer vinculação com eventos de greves ou do incêndio ocorrido na fábrica têxtil novaiorquina dos empresários judeus Max Blanck e Isaac Harris (que como forma de repressão a uma longa greve das operárias trancaram as portas e incendiaram deliberadamente o edificio causando 146 mortos (1). Não houve greves heróicas, nem em 1857 nem em 1908, especificamente vinculadas à condição feminina; Nesses anos houve apenas um movimento emancipatório das condições atrozes do trabalho feminino.

No dia 3 Maio de 1908 em Chicago o jornal mensal “The Socialist Woman” noticiava a reunião no Garrick Theather presidida pela militante socialista Corinne S. Brown de 1.500 trabalhadoras denunciando a exploração e a opressão das mulheres, que reinvindicavam o direito à igualdade de salários e o direito ao voto igual ao dos homens. Em 1910, os jornais noticiaram a comemoração do “Woman's Day” em Nova York, no dia 27 de Fevereiro de 1910, no Carnegie Hall, com 3.000 mulheres, onde se reuniram as principais associações a favor do sufrágio universal, que culminou uma longa greve que durou de Novembro de 1909 a Fevereiro de 1910, ou seja, terminou duas semanas antes de 8 de Março. Em Agosto desse mesmo ano reuniu em Copenhaga a Segunda Conferência de Mulheres Socialistas presidida pela dirigente socialista alemã Clara Zetkin que propôs “uma comemoração anual de mulheres, seguindo o exemplo das companheiras americanas", sem a indicação de uma data específica. O incêndio na Triangle Shirtwaist só aconteceria no ano seguinte, a 25 de Março de 1911. Nesse ano, uma semana antes, o Dia Internacional da Mulher foi celebrado a 19 de Março por mais de 1 milhão de pessoas na Alemanha, Áustria, Dinamarca e Suiça.

Em 1913 na Rússia ainda sob o regime czarista, foi realizada a Primeira Jornada Internacional das Trabalhadoras pelo sufrágio feminino em Petrogrado sendo as participantes alvo de repressão. Em 1914 com a eclosão da guerra na Europa as principais organizadoras da Jornada das Mulheres na Rússia estavam presas, o que tornou impossível a comemoração ou qualquer espécie de manifestação pública. Na Alemanha o evento tinha sido nesse ano comemorado a 8 de Março. Contudo com o agravamento das condições sociais foi a luta dos socialistas contra a guerra que ganhou preponderância. Em Fevereiro de 1917, na Rússia, grandes manifestações sairam às ruas em Petrogrado. Eram manifestações contra a guerra, a escassez de alimentos e a fome. Ao mesmo tempo, operárias do sector têxtil entraram em greve. Estava-se no dia 23 de Fevereiro (que corresponde ao dia 8 de Março no antigo calendário ortodoxo), quando se comemorava o Dia Internacional das Mulheres na Rússia. Essas manifestações cresceram, envolveram outros grupos, duraram vários dias e deram início à Revolução Russa. A mobilização de mulheres precipitou as mobilizações que a tornaram vitoriosa.
Alexandra Kollontai, dirigente feminista da Revolução Socialista, escreveu sobre o facto e sobre o 8 de Março, dizendo "O dia das trabalhadoras em 8 de março de 1917 (23 de fevereiro, no antigo calendário) foi uma data memorável na história (...) A revolução de Fevereiro começou nesse dia". O facto também é mencionado por Leon Trotski, na “História da Revolução Russa”: “era o Dia Internacional da Mulher, estavam programados actos públicos, reuniões e comicios. Mas não se podia imaginar “que o Dia da Mulher pudesse despoletar a revolução”. Tinham sido previstas acções revolucionárias contra o czarismo, mas sem data programada. Mas apesar das proibições, nessa manhã as operárias têxteis, as mais exploradas e oprimidas, deixam o trabalho em várias fábricas e enviam delegadas para solicitar o apoio à greve... “o que se transforma numa enorme greve de massas.... e descem todas corajosamente às ruas de Petrogrado atingindo o número de 90 mil, a maioria mulheres, uma vez que os homens se encontravam maioritaritariamente na frente de guerra". Nesta narrativa fica claro que as mulheres foram as principais agentes mobilizadoras, e a revolução foi desencadeada por elementos de base, cujo desespero conseguiu superar o medo das directivas das administrações das fábricas. Por fim documentos da Conferência Internacional das Mulheres Comunistas realizada em 1921 lê-se que "uma camarada búlgara propõe o 8 de Março como data oficial do Dia Internacional da Mulher, lembrando a iniciativa das mulheres russas". Assim, a partir de 1922, o Dia Internacional da Mulher passou a ser celebrado oficialmente no dia 8 de Março. Por esta sequência de motivos e não por outras conotações como erroneamente se quer fazer crer. (2)

Concluindo, se os herdeiros do movimento soviético não têm hoje o direito de reinvindicar a herança de emancipação da Mulher, muito menos o têm por razão factual histórica, os derivados da “democracia americana”. Ou dito de outro modo, as actuais condições de agravamento das condições dos trabalhadores pelo “mercado-ao-modo-americano” são precisamente herdeiras da destruição do contra-poder dos Comunistas na Europa.
A história do Dia Internacional da Mulher tem vindo a perder-se vítima da canibalização do movimento socialista pelos ideólogos de serviço ao regime neoliberal. Porém, recuperar e recontar a verdadeira história será sobretudo reafirmar o contributo das lutas das mulheres inserida na luta pela transformação geral da sociedade.
Na URSS o dia 8 de Março era feriado nacional e na Rússia actual continua a ser, apesar de já ter perdido toda a vertente política. Hoje, lá ou aqui, a data é conotada com qualquer coisa parecida com demonstrar o carinho e amor pelas mulheres, uma mistura do Dia da Mãe com o Dia dos Namorados, enfim, é a vida, ou para as mulheres da dita, um mero pretexto de mercado para uma simples queca de ocasião. Daquelas emancipatórias, decerto. (3)

Fontes:
* Renée Côté, “La Journée Internationale des Femmes
* Ana Isabel Alvarez Gonzalez, “As origens e a comemoração do Dia Internacional das Mulheres” Editora Expressão Popular, São Paulo, 2010.
Notas
(1) Ver versão em inglês do Incêndio na “Triangle Shirtwaist Factory”
(2) Na Wikipedia na versão brasileira que serve de fonte abastecedora para a imprensa de cordel, pode ler-se: “no ano de 1910, durante uma conferência na Dinamarca, por iniciativa de Clara Zetkin, ficou decidido que o 8 de Março passaria a ser o "Dia Internacional da Mulher", em homenagem as mulheres que morreram na fábrica em 1857. Mas somente no ano de 1975, através de um decreto, a data foi oficializada pela ONU”- mas a greve de Nova York, em 1857, quando teriam morrido mais de cem operárias queimadas, nunca existiu, nesse dia.
(3) ver “Sugestões” no Expresso
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