Na reunião do grupo de coordenação política do governo para discutir as campanhas do segundo turno houve uma inédita inversão de posições: acostumada a carimbar as decisões do presidente Luiz Inácio da Silva, aquela instância dessa vez enquadrou Lula aos costumes.
E o fez sob comando do PMDB. Mais exatamente daquela ala que foi oposição nos primeiros quatro anos, cansou-se da adversidade, aderiu no segundo mandato, cresceu na bonança, reassumiu sua verdadeira face e, como gesto inicial da nova fase proibiu Lula de pisar em territórios onde sua presença possa ajudar adversários do PMDB.
Claro que as coisas não são ditas nem feitas assim dessa forma crua, deselegante, impertinente. Há todo um ritual. Para todos os efeitos, o presidente reuniu, mediu circunstâncias e espontaneamente decidiu ficar distante dos embates entre partidos da "base".
Faca pontuda ninguém põe em pescoço de presidente da República. Mas palavras bem direcionadas fazem o sentido certo para ouvidos aguçados.
"Com a crise, o presidente não vai querer desagregar a base", disse o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, detalhando sua posição a respeito do risco que o envolvimento errático de Lula poderia representar à continuidade da aliança nacional entre PT e PMDB.
Se na eleição municipal com toda popularidade de Lula já foi difícil administrar a aliança de 15 partidos, na presidencial haverá muito mais dificuldade em mantê-los disciplinados ao lado de Dilma Rousseff. Rompimentos, ainda mais com o PMDB, tornariam o projeto praticamente impossível.
Diante disso, o presidente tinha alguma escolha a não ser "decidir" cumprir o ultimato?
Até teria, mas da última vez que resolveu desconsiderar o peso desse grupo de pemedebistas, deu-se mal. Foi logo depois da primeira eleição, pouco antes da posse. José Dirceu negociou e fechou acordo com o presidente do partido, Michel Temer, integrante da ala que havia dado apoio a José Serra em 2002 e, horas antes do anúncio da distribuição de ministérios Lula rompeu o combinado.
Achou que poderia viver das lideranças de José Sarney e Renan Calheiros, mas perdeu todas dentro do PMDB para os chamados oposicionistas, majoritários na máquina nacional e o apoio do partido todo lhe fez uma falta sentida.
Portanto, quando o ministro Geddel incorpora o deputado Vieira que assim, na pressão, atuava como líder do partido na Câmara durante o governo Fernando Henrique, não resta ao chefe do governo outra saída senão a plena aceitação das regras.
No presente momento incluem principalmente deixar o PMDB fazer a festa sobre os petistas Walter Pinheiro, em Salvador, e Maria do Rosário, no Rio Grande do Sul.
Maior e mais forte do que já era antes de aderir, o partido não se contenta em ser o campeão de votos municipais, ter 1.200 prefeitos, meia dúzia de ministérios, a quase certa próxima presidência da Câmara e um trânsito mais que amigável com José Serra, o candidato a presidente mais cotado da oposição.
Quer consolidar o fim do reinado do PT no Rio Grande do Sul e inaugurar a dinastia Vieira Lima na Bahia. E, se tudo der certo, quem sabe tentar açambarcar também a presidência do Senado durante o período da sucessão presidencial.
Poderoso assim, seria natural ambicionar também a Presidência da República. Oficialmente, ambiciona. Já ressuscita a velha tese da candidatura própria, aquela conhecida escada de acesso a todos os governos eleitos nas últimas duas décadas.
Objetivamente o PMDB não tem nomes viáveis. O único possível, o governador Sérgio Cabral, mostrou sua força no Estado que governa, perdendo em todo o interior do Rio de Janeiro. Se ganhar na capital, será com um tucano estilizado, alguém que, como ele, é fiel a Lula na proporção direta do volume de verbas federais liberadas para o Rio.
Quando, e se, a perspectiva de poder mudar, as pontes para o transporte das armas e das bagagens para novo endereço estão devidamente construídas.
Mesmo que tivesse nomes o partido arrumaria um pretexto para queimá-lo. Para que se esfalfar na disputa presidencial, criar atritos e ainda correr o risco de vencer e assumir o ônus de governar se pode ficar com o bônus de fiador da "governabilidade"?
Na hora em que o barco aderna, alega-se ausência de compromisso com o erro, invoca-se a renovação de "contrato" com o eleitorado e pula-se para outra embarcação sem angústia ou nostalgia.
Pirão primeiro
O PT anuncia apoio ao PMDB no Rio para "barrar a oposição a Lula". Quem dera fosse tudo tão orgânico e previsível no cenário das alianças partidárias.
No Rio o PT fica com o PMDB porque o PV está com o PPS e o PSDB, que apóiam o PT em Salvador contra o PMDB que quer ver o PT pelas costas em Porto Alegre e, em nome do acerto presidencial de 2010, ajuda o PSDB a derrotar o PT em São Paulo.
Não é, convenhamos, um ambiente de absoluta confiança.
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