Em análise precisa sobre a guinada personalista que o presidente Luiz Inácio da Silva imprimiu à democracia brasileira nos seus dois mandatos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deu as pistas dos caminhos que levam o país aos poucos a abrir mão dos valores institucionais para adotar como referência única a popularidade de um líder político voraz no exercício do poder.
“Partidos fracos, sindicatos fortes, fundos de pensão convergindo com os interesses de um partido no governo e para eles atraindo sócios privados privilegiados, eis o bloco sobre o qual o subperonismo lulista se sustentará no futuro, se ganhar as eleições”, escreve o ex-presidente em seu artigo de domingo em diversos jornais do país [incluindo a Gazeta do Povo].
Palavras de um opositor político? Sim, mas nem por isso devem ser atribuídas ao mero ofício da luta política e, por isso, relegadas ao campo do bate-boca entre adversários.
Nestes últimos sete anos nos desacostumamos da prática, mas é na oposição que se produz o contraditório, ponto de partida para a discussão do estabelecido. A questão central é a qualidade do debate proposto: se fruto de esperneio à deriva, desconsidera-se; se produto de argumentação consistente, vale a pena refletir a respeito.
No artigo Para onde vamos?, Fernando Henrique fala sobre os efeitos – presentes e futuros – do acúmulo de “transgressões cotidianas, o discricionarismo das decisões, o atropelo, se não da lei, dos bons costumes”.
O fenômeno já fora identificado e publicamente denominado “rotina de desfaçatez” pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal. Marco Aurélio, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, falava sobre a concentração de escândalos que assolava o Brasil e da naturalidade com que eram tratadas as malfeitorias.
Fernando Henrique falou de movimentos mais amplos e mais sutis. De algo que “pode levar o país devagarzinho, quase sem que se perceba, a moldar-se a um estilo de política e a uma forma de relacionamento entre Estado, economia e sociedade que pouco tem a ver com nossos ideais democráticos”.
Não condenou o pragmatismo, por ele também adotado enquanto ocupou a Presidência da República. Apontou, sim, o patrocínio de um método de rendição e aprofundamento de um estado de coisas de regressão a um sistema de governo autoritário, agora de cunho “popular”.
Cita exemplos: “Por que fazer o Congresso engolir uma mudança na legislação de petróleo mal-explicada? Por que anunciar quem venceu a concorrência para compras de aviões militares, se o processo de seleção não terminou? Por que antecipar a campanha eleitoral e, sem nenhum pudor, passear pelo Brasil à custa do Tesouro? Por que, na política externa, fazer mesuras a quem não se preocupa com a paz e com os direitos humanos?”
Fernando Henrique faz questionamentos relevantes. Nenhum deles, entretanto, levado em conta pelos dois pré-candidatos à Presidência da República do partido no qual ele ocupa a presidência de honra e onde fala sozinho. “Parece mais confortável fazer de conta que tudo vai bem”, escreve FH, em descrição per