Com todo instrumental político-administrativo à disposição e mais a vantagem conferida pelos altos índices de popularidade, uma verdade seja dita sobre a montagem do esquema governista para a eleição de 2010: há mais mito que verdade na decantada habilidade de articulação do presidente Luiz Inácio da Silva para a eleição de 2010.
Para início de conversa, Lula não observou a regra básica do manual do bom investidor. Não diversificou as apostas e pôs todas as fichas na própria capacidade de gerar êxito. Escolheu antecipar o processo eleitoral para manter viva sua expectativa de poder tentando evitar que a oposição se beneficiasse da dianteira nas pesquisas, optou por apresentar uma candidatura criada em laboratório e procurou se manter o mais distante possível do PT, jogando todas as fichas na aliança com o PMDB.
A desorganização reinante da base do governo e a relativa tranquilidade com que se conduz a oposição – dando-se, por exemplo, ao luxo de arriscar patrimônio com a instalação da CPI da Petrobras – indicam que o modo autocrático de decidir pode não ter sido o melhor conselheiro para o presidente Lula.
Confiante – talvez em demasia – na própria intuição, Lula desconsiderou a força do imponderável, as necessidades do próprio partido, os interesses dos aliados e a determinação do adversário.
Hoje o PSDB é bem diferente daquele conglomerado sem compromisso de anteontem. Nem o partido está dividido como esteve em 2002, nem permanece desmotivado como em 2006.
A perspectiva real de vitória unifica a oposição, da mesma forma como a possibilidade objetiva de derrota faz da nação governista um ajuntamento de legendas em busca da melhor saída, evidenciando a ausência de uma solução natural.
Um grupo de onde saem ao mesmo tempo propostas de prorrogação de mandato, defesa de plebiscito para dar a Lula a chance de mais uma reeleição, apoio irrestrito a Dilma Rousseff e apelo à confecção de um "plano B" de contorno indefinido, não sabe o que quer. Carece de estratégia, de unidade e de objetivo.
O roteiro escrito por Lula ganha vida própria e já começa a contrariar o autor. A candidatura produzida em cativeiro sofre um revés que, na indefinição, semeia a insegurança. O PT, propositadamente enfraquecido e descolado da figura do chefe, corre o risco de não corresponder à expectativa do fortalecimento regional no caso da derrota federal.
O PMDB, voluntariamente fortalecido para ser o fiel da balança a favor, mostra-se, na realidade, um infiel do desequilíbrio em desfavor, além de uma companhia de potencial altamente constrangedor.
Um cenário desfavorável que em nada contribui para a fama de Lula como articulador político imbatível, capaz de enxergar muitos lances adiante. Pode virar o jogo? Pode. Mas precisará de mais reflexão e menos intuição.
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No meio da crise das mordomias, o Congresso arquivou temporariamente a ideia de discutir aumento de salários para os parlamentares. O presidente da Câmara, Michel Temer, disse que não voltaria ao tema antes de ter um "número significativo" em termos de economia de gastos para mostrar à opinião pública.
Pois bem. O "número" de R$ 291 milhões, apresentado semana passada como a quantia que a Câmara pretende cortar anualmente, é significativo, embora não seja (ainda) comprovadamente efetivo.
Se for seguido o roteiro traçado, o Legislativo logo, logo, sentir-se-á autorizado no direito de retomar a reivindicação do reajuste salarial de R$ 16.512 para R$ 24.500, o teto do funcionalismo.
Uma discussão difícil, ainda. Primeiro, os R$ 291 milhões de economia não guardam relação com salários nem com despesas diretas dos deputados. É um cálculo baseado no corte de investimentos (obras), gastos de manutenção e despesas com pessoal.
Segundo, a reestruturação anunciada não reduziu em um centavo o custo do deputado. A Câmara limitou-se a reunir todos os extras (verba indenizatória, inclusive) numa cota única variável entre R$ 23 mil e R$ 34 mil, dependendo do estado de origem do deputado, cujo destino é do livre arbítrio do parlamentar.
Se quiser gastar tudo em besteira, pode. Se alguém contestar, o argumento será a flexibilidade da regra, sem especificações precisas. Em terceiro lugar, a discussão sobre aumento de salários vai esbarrar no "efeito cascata" sobre as Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. A lei vincula os salários dos deputados estaduais e vereadores a um porcentual do recebido pelos federais e deixa ao critério das Assembleias e das Câmaras Municipais o valor dos extras.
Muito bem. Tanto para desvincular quanto para limitar as mordomias, a Câmara não pode impor regras aos estados e municípios. Terá de contar com a boa vontade de gente que, além de não estar sob o fogo da pressão da opinião pública nacional, ainda detém influência vital sobre a sobrevivência política das excelências federais.