Política
É a construção civil estúpido.
Construção civil recruta cortador de cana
Márcia De Chiara – O Estado de S.Paulo
Falta de mão de obra qualificada leva empresas a contratar ex-cortadores de cana e mulheres
O nível de emprego na construção civil é recorde e as construtoras já começam a contratar mulheres e trabalhadores egressos do corte da cana-de-açúcar para atenuar o déficit de mão de obra no setor.
A falta de pedreiros, carpinteiros, pintores e azulejistas nos canteiros de obras, por exemplo, pode chegar a 80 mil trabalhadores neste ano em todo o País, nas contas do diretor de Economia do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), Eduardo Zaidan.
Em julho, 2,771 milhões de trabalhadores com carteira assinada estavam empregados na construção civil, marca jamais atingida, revela o estudo do Sinduscon-SP, feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) com base nos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Além do recorde em números absolutos de trabalhadores, as taxas de crescimento no emprego neste ano até julho e em 12 meses são robustas, de 12,79% e 16,67%, respectivamente.
Zaidan diz que o ritmo de crescimento do emprego em 12 meses até julho do setor imobiliário (18,04%) supera o de infraestrutura (12,05%) em igual período. “Um forte indicador de que a construção civil vai continuar aquecida por um bom tempo é que a demanda por mão de obra para serviços de preparação de terrenos cresceu 10,6% nos últimos 12 meses até julho.” Mas um dos obstáculos à sustentação desse ritmo de crescimento é exatamente a escassez de trabalhadores, que começou a ser removido por várias empresas.
A construtora Copema de Ribeirão Preto, polo produtor de cana-de-açúcar do interior do Estado de São Paulo, por exemplo, tem ex-cortadores de cana em seus canteiros de obras. Segundo Marcelo Henrique Dinamarco, encarregado do departamento de Recursos Humanos da empresa, entre 60% e 65% dos trabalhadores que exercem funções em suas obras e foram contratados por empreiteiras vieram do corte da cana-de-açúcar.
Além da mão de obra fornecida por empreiteiras, os ex-cortadores de cana representam cerca de 25% dos trabalhadores contratados diretamente pela construtora. “Se nós não tivéssemos essa oferta de ex-cortadores de cana, o déficit de mão de obra na construção seria maior”, calcula o encarregado.
O quadro é semelhante na construtora Pereira Alvim, também de Ribeirão Preto. Francisco Galli, técnico de segurança do trabalho da empresa, conta que 10% dos trabalhadores contratados pelas empreiteiras que prestam serviço à construtora são egressos do corte da cana. “Muitas usinas já mecanizaram o corte da cana e esse contingente fica sem trabalho”, observa Galli.
Dinamarco, da Copema, diz que é possível traçar o perfil desses trabalhadores. “Pelos dados da carteira de trabalho, eles vieram do Nordeste para cortar cana nos arredores de Ribeirão Preto. Com a crescente mecanização do corte da cana, eles não voltam para os Estados de origem e vão para as cidades maiores a fim de trabalhar na construção civil.” Galli, da construtora Pereira Alvin, observa que 80% desse contingente é analfabeto. Geralmente eles começam como servente de pedreiro, função que não requer qualificação.
José Batista Ferreira, diretor do Sinduscon de Ribeirão Preto, que engloba mais 92 municípios, conta que já foram iniciadas conversas entre a entidade e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) para qualificar os ex-cortadores de cana ainda neste ano. Nas suas contas, serão treinados cerca de mil trabalhadores nos próximos anos para cobrir parte do déficit de mão de obra na construção civil na região, que é de 2 mil pessoas.
Mulheres. Outra saída encontrada pelas construtoras para atenuar a falta de mão de obra tem sido a contratação de mulheres. Na construtora Marcondes César, de São José dos Campos (SP), elas já representam 5% do quadro de funcionários, conta o diretor técnico da companhia, José Antonio Marcondes César.
Segundo o executivo, as mulheres desempenham funções de azulejistas, eletricistas, motoristas e encanadoras, entre outras. “Estamos usando a mão de obra feminina para serviços de acabamento mais fino”, diz César. A intenção do executivo é que as mulheres representem entre 10% e 12% do quadro de funcionários no próximo ano.
Para isso, César diz que pretende substituir os empregados homens por mulheres em várias funções. Ele ressalta que as mulheres são mais fiéis à empresa e mais estáveis, qualidades consideradas pelo executivo positivas, especialmente no momento atual de falta de mão de obra. “Por qualquer quantia a mais os homens trocam de emprego e as mulheres não”, afirma.
José Roberto Alves, diretor do Sinduscon de São José dos Campos, que abrange a cidade e 40 municípios, confirma a presença crescente de mulheres nos canteiros de obras da região. “Mas é difícil quebrar o paradigma de que o emprego na construção é masculino.”
No último curso de qualificação para operários da construção civil realizado no primeiro semestre deste ano pela entidade, havia seis mulheres entre 50 inscritos, isto é, um pouco mais de 10%. A porta de entrada para as mulheres no canteiro de obras, diz ele, é tarefa de limpeza, que não exige qualificação nem grande esforço físico.
”Se soubesse, teria vindo antes”, diz ex-cortador
- O Estado de S.Paulo
Faz duas semanas que o ex-cortador de cana Valdir Lemos da Fonseca, de 47 anos, começou a trabalhar na construção civil. Depois de quase 18 anos no corte da cana, ele deixou Barrinha, nos arredores de Ribeirão Preto, para ser servente de pedreiro numa obra da cidade. “Se eu soubesse que era menos sacrificado do que o corte da cana, tinha vindo antes para a construção.”
Ele saiu do corte da cana por causa do avanço da mecanização da lavoura. “O corte da cana está acabando: 60% das lavouras nesta região estão mecanizadas e até 2014 não terá mais corte manual.” Pela sua idade avançada para a função e por não ter tido instrução, Fonseca viu suas chances de trabalho minguarem na lavoura. “A minha leitura é fraca e eu não ia conseguir operar uma máquina. Eu não tenho estudo.”
No corte da cana, o serviço era mais pesado, diz o ex-cortador. Ele entrava às 7h, saía às 16h, trabalhava seis dias por semana e recebia R$ 600 por mês. Diariamente, cortava de 100 a 120 metros de cana enraizada, que exige mais esforço físico do que a cana mais nova, de primeiro corte.
Como servente de pedreiro, ele cuida de serviços de limpeza e ajuda a passar massa nos tijolos, tarefa bem mais leve. Trabalha cinco dias por semana, das 7h às 17h e recebe entre R$ 600 e R$ 700 por mês.
Além disso, tem outros benefícios: recebe cesta básica, lanche durante o expediente e toma café da manhã na obra. No corte da cana, a usina só dava o transporte e a alimentação era por sua conta.
Curso prepara mulheres para fazer acabamentos
Prefeitura de São Bernardo vai formar 90 operárias até o fim do ano, entre elas uma ex-analista de cobrança
O Estado de São Paulo
A ex-analista de cobrança Vanessa Santos de Matos Rodrigues, de 29 anos, casada e mãe de uma filha de 4 anos, nunca pensou em trabalhar na construção civil. Mas a oportunidade de ter outra profissão apareceu quando ela estava desempregada e ficou sabendo do curso para formação de mulheres na construção civil, oferecido pela Prefeitura de São Bernardo do Campo (SP).
“Meu pai é pedreiro, meu irmão trabalha com serviços de acabamento e eu sempre achei bonito trabalhar nessa área. A minha intenção não é pegar no pesado, mas mexer com serviços de pintura e revestimento”, conta Vanessa, que desde maio é uma das alunas.
Segundo ela, as oportunidades de trabalho na construção civil são promissoras. Prova disso é que muitas empresas do ABC paulista já estão procurando as alunas do curso do qual ela participa para oferecer estágios nas funções de acabamento em seus canteiros de obras.
“Todo lugar está precisando de mão de obra e a remuneração é boa”, diz Vanessa.
Uma analista de cobrança, sua antiga profissão, recebe cerca de R$ 1.200 por mês. Como azulejista, é possível ganhar perto de R$ 1.500 e ainda trabalhando por conta própria. “Tem pedreiro que assenta porcelanato e mármore e recebe entre R$ 3 mil e R$ 3,5 mil, mais do que um médico”, compara José da Silva Lemes, técnico em educação e instrutor do curso para mulheres na construção civil da Prefeitura de São Bernardo Campo.
Cerca de 90 mulheres aptas a desempenhar as funções de azulejista, pintora e pedreira, por exemplo, vão se formar até o fim deste ano em São Bernardo. “Já tem muita empresa de olho nelas. O mercado vai ser das mulheres”, diz o instrutor.
Preconceito. Segundo Lemes, as mulheres são mais caprichosas do que os homens para desempenhar as funções de acabamento nas obras. Mas o instrutor pondera que existe muito preconceito. “Ainda vivemos num País machista”, destaca.
Apesar das restrições, as mulheres estão quebrando as barreiras. Dulce Xavier, gerente de Política para Mulheres da Prefeitura de São Bernardo do Campo, diz que em 2007 existiam 186 mil mulheres trabalhando na construção civil em todo o País, segundo dados da Secretaria Nacional de Política para Mulheres.
Ela conta que foi a primeira vez que a prefeitura local fez um curso gratuito desse tipo. A intenção, diz Dulce, é dar alguma qualificação e propiciar uma fonte de rendimento para as mulheres.
“A procura pelo curso foi grande”, ressalta a gerente. Ela conta que apareceram mais de 400 interessadas e acabaram sendo selecionadas 150 candidatas.
O curso que está em andamento, e termina no fim deste ano, tem 90 alunas. As 60 candidatas selecionadas restantes farão parte da segunda turma do curso, que começa no que vem.
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