Não pretendo conter a euforia de ninguém, mas prefiro tratar com entusiasmo responsável a realização da Copa do Mundo de 2014 no Brasil. Está acima de qualquer dúvida que iremos fazer uma competição singular, bem verde-amarela. Exatamente aí mora o perigo. Enquanto no primeiro mundo a competição é a prova de falhas, as soluções brasileiras para eventos desta natureza costumam contemplar falta de planejamento, descumprimento de cronogramas, superfaturamento de obras e alguns embaraços próprios da nossa indisponibilidade natural para a disciplina.
O que, por enquanto, pode garantir o sucesso do empreendimento é o povo brasileiro, cuja capacidade de administrar a felicidade certamente vai contagiar o planeta com sua sonoridade e beleza tropicais inigualáveis. Se por um lado é animador o estudo da Fundação Getúlio Vargas, divulgada na segunda-feira em O Globo, de que a Copa de 2014 vai injetar na economia do País R$155 bilhões e gerar 18 milhões de empregos, por outro tamanha quantia pode ser um tremendo incentivo para que prosperem as práticas não-republicanas.
Obras de engenharia desde os anos JK são uma fonte eterna de corrupção. Ninguém nunca mais falou sobre o sobrepreço dos Jogos Panamericanos do Rio de Janeiro de 2007. Nada me convence de que não foi só a falta de planejamento que fez o valor subir da previsão inicial de R$ 390 milhões para R$ 3,3 bilhões de custo final. Suponhamos que os recursos para a realização da Copa de 2014 sejam aplicados com a mais absoluta probidade, mesmo assim o que o governo tem chamado de "antecipação de infraestrutura" pode não ocorrer.
Estão prometendo trem-bala, sistema de metrô nas principais cidades-sede, revolução no sistema aeroportuário, investimentos fantásticos em rede de saneamento, duplicação de rodovias, reforma de portos e o melhoramento extraordinário da rede de serviços. Perfeitamente, eu acredito. Só lembro que muito desta revolução de infraestrutura foi anunciada em 2007 com o nome de Programa de Aceleração do Crescimento e só conseguiram realizar até agora 3% do previsto. Tomara que seja diferente em relação às obras para a Copa de 2014.
É verdade que o empreendimento pode legar ao povo brasileiro uma capacidade instalada de serviços extraordinária na área de saúde e segurança, embora não seja correto afirmar que o Rio de Janeiro, por exemplo, tenha um sistema de saúde melhor e seja mais seguro depois dos Jogos do Pan. Outra possibilidade é que a Copa do Mundo seja um meio de promover o País e incentivar a indústria do turismo de maneira espetacular. Sim, mas não há nada automático. Mesmo que tudo dê certo, não há garantia de que o pós-2014 vá transformar o Brasil em destino preferencial de europeus, americanos e asiáticos endinheirados.
A Alemanha realizou duas copas com organização impecável em um intervalo de 32 anos e nem por isso está entre os principais destinos turísticos da União Européia. Alguém pode dizer que eles não têm sol o ano inteiro, oito mil quilômetros de praia, samba, pantanal e a Amazônia. Também é rigorosamente verdadeiro. Esse patrimônio só o Brasil possui, além de 50 mil homicídios por ano, apagão aéreo e inigualável capacidade de desorganização. A Copa do Mundo é nossa. É esperar para ver se não farão da bola uma grande bolada.