O Estado de S.Paulo - 23/10/11
Há uma semana, em Paris, presidentes de bancos centrais e ministros de Finanças do Grupo dos 20 (G-20) advertiram os dirigentes da área do euro que, se hoje não sair um "plano decisivo", a crise provocaria "um mundo de sofrimento (a world of pain)".
Já não será hoje. Novo encontro foi convocado para esta quarta-feira. E não é certo que, até lá, as enormes divergências estejam superadas.
Mesmo se houver acordo para apagar incêndios, como as autoridades estão tentando nessa cúpula, resta todo o problema de base para equacionar. As Colunas dos dois últimos dias trataram da capitalização dos bancos e da necessidade de reforçar o mecanismo de resgate - o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (EFSF, na sigla em inglês). Hoje, vai se dedicar ao principal vício de origem da zona do euro.
Os pais do euro sabiam que a nova moeda nascia com muitas pontas perigosamente desamarradas. Mas fizeram uma aposta política: quando o problema surgisse, seria imediatamente resolvido. Basearam-se em razões históricas. A Europa foi construída tranco após tranco. E seria assim também a arquitetura do euro.
Para subsistir, uma moeda tem de ser emitida por uma união fiscal. É preciso que uma autoridade central determine o que cada unidade comandada deve arrecadar e pode gastar. Além disso, precisa prover cobertura em casos de emergência. Os Estados brasileiros, por exemplo, não podem emitir títulos sem autorização do Senado Federal. Além disso, a União transfere recursos de acordo com o que prevê a Constituição e a lei. Mas não é assim no caso do euro. Cada um dos 17 países tem orçamento, regime tributário e sistema de despesas próprios. Para tapar buracos da união monetária (moeda comum) foram assinados os Tratados de Maastricht, nos quais se exige que nenhum sócio, em relação ao PIB, tenha déficit anual superior a 3% e dívida maior que 60%. O problema é que nenhum cumpriu o tratado. Hoje, pelo menos seis deles têm dívida impagável ou perto disso.
Não será em questão de meses que os 17 integrantes consolidarão a união fiscal. Mas alguns passos começam a ser dados. O Mecanismo de Estabilidade Europeia, que deverá ser implantado em 2013, já é um esquema de transferências a ser acionado emergencialmente.
Mas é preciso mais. Como aquilo que os especialistas chamam de enforcement, um conjunto de punições imposto aos países que atropelarem tratados. Num regime que privilegia a soberania dos Estados nacionais, um sistema desses é bem mais complicado. Exige união política.
Alguns especialistas alertam que a falta de união fiscal e política não é o desequilíbrio mais profundo do bloco. Esses seriam os registrados em conta corrente. Alguns países (como Alemanha, Holanda e Áustria) faturam muito mais do que pagam nas relações entre si dentro do euro. Enquanto isso, os mais fracos (Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália) ficam em situação invertida. Ou seja, a longo prazo, desigualdades só tendem a crescer, por mais que se providencie blindagem fiscal e política para superá-las. Isso exige governança muito mais afinada. São as exigências de "mais Europa" que, até agora, ninguém sabe como prover.