Fui ao Museu de Arte Moderna do Rio a fim de ver as obras do hiper-realista Ron Mueck, numa terça-feira, para conseguir entrar, uma vez que, nos fins de semana, as filas são intermináveis. Mas eu tinha que ver essa exposição porque ela punha em questão uma tese minha.
Quem costuma me ler conhece a tese: tenho afirmado que, ao contrário do que se costuma dizer, a arte não revela a realidade, mas a inventa. Se isso for verdade, a conclusão inevitável é que o realismo —ou seja, a arte que pretende copiar a realidade— será arte menor. Então, o surrealismo seria arte maior? Não, não é tão simples assim. Pode ser, pode não ser.
Na verdade, mesmo quando um pintor procura, em sua tela, retratar fielmente uma paisagem, não o conseguirá, pelo simples fato de que a paisagem que tenta retratar pode medir quilômetros e sua tela medirá, digamos, um metro por um metro. Quero dizer com isso que é impossível representar fielmente a realidade, pelo fato mesmo de que a imagem da montanha não é a montanha, por mais fiel que seja a cópia realizada pelo pintor. Por isso mesmo, o que deu uma nova qualidade à pintura moderna foi precisamente a descoberta de que a arte é um modo outro de nos fazer ver a realidade; ou seja, a maçã pintada não é a maçã real —é pintura. Por isso mesmo, quando o pintor quer fingir que a maçã pintada é a maçã mesma, imprime-lhe certa falsificação. A pintura moderna, a escultura moderna, não fingem que reproduzem realidade mas, sim, a inventam.
Em face dessas considerações, como ficam as obras de Ron Mueck, expostas no MAM do Rio? Como era terça-feira, não havia tanta gente na fila mas, lá dentro, já um número considerável de visitantes se acumulava em torno de cada uma das obras expostas. A primeira que vi era uma galinha morta, pendurada pelos pés e depenada. A semelhança com o bicho de verdade era total: as unhas dos pés, as escamas das pernas, o pescoço, a cabeça do animal, com crista, os olhos e o bico. Tudo igual à galinha real, menos num ponto: essa galinha de Mueck é gigantesca, umas dez ou quinze vezes maior que a de verdade.
Aliás, é nisso que as suas figuras se diferenciam das figuras reais: pelo tamanho. A figura de um menino negro, por exemplo, está ali em tamanho reduzido e isso contraria-lhe o realismo, do mesmo modo que o gigantismo do casal, que aparenta estar numa praia, também o torna, por assim dizer, " não real". Esse contraste entre a extrema e minuciosa imitação das pessoas reais e a desproporção do tamanho imprime às figuras uma chocante estranheza que as transforma em aparições, seres oníricos, irreais.
Ron Mueck é um artista bem diferente dos demais (e isto num momento em que a extravagância tomou conta das artes). Numa época em que a linguagem artística afastou-se da representação da realidade, vem ele, não apenas representá-la, como representá-la a ponto de sua representação se confundir com a própria realidade. Isso por um lado; por outro lado, embora ele se aproxime, na sua arte, do gosto popular, usa de recursos modernos e sofisticados, como materiais produzidos pela tecnologia avançada, como poliéster, resina de vidro, fibra de acrílico, poliuretano, além de tecidos especiais.
Não obstante, se não estou enganado, essas obras de Ron Mueck não são, de fato, esculturas, se as comparamos com o que, através dos séculos, se definiu como tais. Certamente, embora as obras de um Praxíteles ou de um Michelangelo difiram das de Rodin ou de Brancusi, há entre elas traços qualitativos e expressivos que as identificam esteticamente, uma vez que sua expressividade reside, basicamente, na harmonia dos volumes e das superfícies, quer sejam essas esculturas figurativas ou abstratas.
Já as obras de Mueck não têm tais características nem tais preocupações definidoras da linguagem escultórica: o que esse artista busca é a cópia fiel das formas humanas, em seus mínimos detalhes e a tal ponto que pareçam seres humanos de verdade, postos ali diante de nós. Esse realismo só é violado, como já disse, pelo tamanho que ele dá a essas figuras, ou desproporcionalmente maior ou menor que na realidade têm. Por isso mesmo, ora parecem bonecos, ora parecem fantasmas.