Política
E se não vier a tempestade? CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 29/10/11
Contra todos os prognósticos da meteorologia, o capitão Vasco Moscoso de Aragão ordenou que seu navio, fundeado no Porto de Belém, fosse fortemente amarrado para que estivesse preparado para enfrentar violenta tempestade. O que parecia improvável de fato aconteceu. Mas, porque foi bem preso, o navio do capitão-de-longo-curso foi dos poucos que se salvaram. É a história deliciosa que conta Jorge Amado em Velhos Marinheiros.
O Banco Central do presidente Alexandre Tombini opera diferentemente do capitão Vasco Moscoso de Aragão. Conta, sim, com um furacão global que deixará o Brasil mais ou menos ileso e avisa que ajusta a política monetária (política de juros) de acordo com essa percepção.
Agora se sabe que, ao contrário da aposta feita pelo Banco Central, a borrasca ficou bem menos provável. Apesar disso, a inflação pode recuar, por motivos diferentes dos que estão nos arrazoados do Banco Central, repetidos quinta-feira na última Ata do Copom.
Desde agosto, a política monetária do Banco Central está baseada em dois pressupostos que provavelmente não se concretizarão. O primeiro deles é a já mencionada catástrofe econômica global. O efeito esperado seria forte baixa das cotações das commodities, especialmente dos alimentos, que, por sua vez, deveria produzir desinflação global e, assim, retirar pressão sobre a inflação interna.
O acordo obtido nesta semana para circunscrever a crise europeia e os esquemas acertados para evitar uma quebra em cadeia dos bancos sugerem que ficou mais difícil que o pior aconteça. A tendência agora é que os preços das commodities voltem a subir. O segundo pressuposto é a desaceleração do sistema produtivo interno (o crescimento do PIB do Brasil deste ano não deverá ser superior a 3,5%), que se encarregaria de baixar o consumo e de esvaziar a inflação.
Pelo menos três fatores trabalham contra esse prognóstico. Apesar da retórica oficial, que prefere dar ênfase a uma suposta "moderação" na criação de empregos, o mercado de trabalho continua aquecido e deve contribuir para um importante aumento da massa de renda a partir de janeiro, quando o salário mínimo for reajustado em algo em torno de 14%. O avanço do estoque de crédito, que deveria recuar para a faixa dos 15%, na verdade está retomando a aceleração e, em setembro, crescia a 19,6% em 12 meses. E, embora a indústria trabalhe em marcha bem mais lenta, o setor de serviços se expande a quase 10% ao ano.
Tudo isso não significa necessariamente que a convergência da inflação para a meta de 4,5% em 2012 não ocorra num ambiente de afrouxamento monetário (queda dos juros). Somente torna a realização do prognóstico bem mais difícil.
O que pode dar razão ao capitão-de-longo-curso Alexandre Tombini é uma terceira variável que viria a ser reforçada - não por ele, mas pelo governo. Trata-se do aprofundamento do ajuste fiscal. A presidente Dilma Rousseff parece mais comprometida a "abrir espaço para a baixa dos juros", por meio da redução das despesas públicas.
Seria projeto de execução mais complicado num ano eleitoral como o de 2012, mas, se não se cumprirem as expectativas catastrofistas com que vem trabalhando o Banco Central, esse objetivo bem que poderia ser levado a termo, para permitir que os juros básicos fossem derrubados a 9% sem grande impacto na inflação.
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