Urnas escaldantes
A batalha em São Paulo será ainda mais quente no segundo
turno, porque representa um ensaio da eleição presidencial de
2010. O mesmo poderá ocorrer no Rio de Janeiro, se o confronto
for entre o verde Fernando Gabeira e Eduardo Paes, do PMDB
Felipe Patury
Fotos Mario Rodrigues e Lailson Santos |
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Pelo menos nove capitais brasileiras devem ter segundo turno nas eleições deste ano. Mas os olhos do país estarão voltados principalmente para uma: São Paulo. A disputa na capital paulista é vista pelo PT, pela oposição e pela torcida do Corinthians como uma prévia da sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010. A petista Marta Suplicy conta com o próprio Lula para reduzir sua alta taxa de rejeição. Seu provável contendor, o prefeito Gilberto Kassab, do Democratas, espera que a adesão formal do governador tucano José Serra, com quem é unha e carne, ajude a contrabalançar o peso de um dos presidentes mais populares da história do Brasil e a cicatrizar os arranhões que lhe foram infligidos pelos ataques de Geraldo Alckmin, do PSDB. A eventual vitória de Marta Suplicy devolveria ao PT o controle de um orçamento anual de 19,4 bilhões de reais, maior do que os de 23 estados da federação. Também solaparia a liderança de Serra na oposição, por retirar dele a hegemonia política no estado mais rico do Brasil. A reeleição de Gilberto Kassab, por sua vez, daria ainda mais corpo à candidatura de José Serra ao Palácio do Planalto em 2010.
O cenário desenhado pelas últimas pesquisas de intenção de voto é mais favorável às pretensões tucanas. As projeções para o segundo turno já dão uma dianteira de 5 pontos porcentuais para Gilberto Kassab em relação a Marta Suplicy. O atual prefeito cresce exponencialmente nas sondagens desde o início do horário eleitoral na TV, em agosto – quando estava 33 pontos atrás da petista. A campanha de Kassab decolou por três motivos: sua administração é muito bem avaliada, ele tem uma propaganda eficiente e, não menos importante, vem se apresentando como o candidato anti-PT – o que, em São Paulo, tem um apelo e tanto. Por isso, o prefeito pretende reforçar essa imagem durante o segundo turno. Marta deve revidar explorando o fato de Kassab já ter tido ligações com o ex-prefeito Paulo Maluf e ter participado do governo de Celso Pitta – "esquecendo" que, em 2004, ela mesma fez aliança com Maluf para tentar reeleger-se. O maior desafio da candidata petista é superar a rejeição de 35% do eleitorado paulistano, que não relaxa e goza quando se lembra de sua administração passada. Seu marqueteiro, João Santana, tentará sanar o problema, colando ainda mais a imagem de Marta à do presidente Lula. Incancelável, mesmo, é a figura do maridão da candidata, o argentino Luis Favre. Ao contrário do cantor de tangos Carlos Gardel, nem se fingindo de morto ele soa bem aos ouvidos paulistanos. Favre prometeu aos estrategistas da mulher que só voltará a emergir depois do segundo turno.
Há chances reais de que o Rio de Janeiro também se transforme numa arena de enfrentamento nacional entre os aliados de Lula e a oposição. Isso ocorrerá se o verde Fernando Gabeira vencer a disputa com o senador Marcelo Crivella (PRB) por uma vaga no segundo turno contra Eduardo Paes, do PMDB. A pesquisa do Datafolha divulgada em 1º de outubro indica que o senador Crivella e Fernando Gabeira estão tecnicamente empatados – o primeiro com 19% e o segundo com 17%. Caso Crivella vença, haverá uma disputa entre dois candidatos da base de apoio do Palácio do Planalto. Nas últimas duas semanas, porém, os ventos viraram. Até então empacado, Gabeira disparou nas pesquisas, embalado pelo voto útil do eleitorado mais rico e escolarizado que quer impedir que Crivella, um bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, governe o Rio.
Fotos Fabio Motta/AE, André Az/Ag. O Dia e Ana Araujo |
Correligionário do vice-presidente José Alencar, Crivella tenta conter a arrancada de Gabeira de maneira um tanto peculiar: exibindo o apoio do secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, e do ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger. Isso é que é desespero, convenhamos. Se o bispo da Universal fracassar, Gabeira chegará ao segundo turno como outro anti-Lula. O candidato verde já exibe na TV o apoio de José Serra e de seu correligionário, o governador mineiro, Aécio Neves. Ambos ameaçam desembarcar no Rio. Na semana passada, essa possibilidade levou os lulistas e os aliados do governador Sérgio Cabral a começar a negociar um apoio mais incisivo do presidente a Eduardo Paes.
Dos vinte prefeitos de capitais que tentam a reeleição, doze devem vencer no primeiro turno e sete estarão no segundo – o único a ficar de fora deverá ser Serafim Corrêa, do PSB de Manaus. Os bons momentos vividos pela economia explicam parte do fenômeno. Com mais dinheiro, os atuais prefeitos fizeram mais obras e melhoraram os serviços públicos. Agora, colhem o reconhecimento dos eleitores. "Há outro fator: a parceria. Muitos se reelegerão, não apenas porque fizeram uma boa administração, mas porque o cidadão acredita que será beneficiado se seu prefeito for aliado do governador ou do presidente", diz o sociólogo Antonio Lavareda, da MCI Estratégia. O histórico das eleições realizadas desde 1996 permite fazer projeções sobre os resultados que devem sair das urnas no primeiro turno. O cientista político Alberto Carlos Almeida, do Instituto Análise, constatou que o PMDB, o PSDB e o DEM conseguiram eleger, em média, 45% de seus candidatos nos últimos três pleitos municipais. Se desta vez ocorrer o mesmo, no próximo ano o PMDB terá 1 150 prefeitos, o PSDB 810 e o DEM 563. A proporção de candidatos eleitos pelo PT tem aumentado a cada eleição. Se isso se repetir agora, o partido conquistará 490 cidades.
Com reportagem de José Edward e Ronaldo França