Política
Elo fraco Xico Graziano
O estado de s paulo
Na economia clássica, costumavam-se distinguir as atividades produtivas em três setores: primário, secundário e terciário. Correspondia a dividir o esforço humano despendido na agricultura, na indústria e nos serviços. Tal segmentação acabou vencida na economia moderna. Mais complexo ficou o mundo.
Na economia rural, longas cadeias produtivas hoje se constituem. Poderosas agroindústrias rompem as barreiras entre o campo e a cidade, integrando indústria com agricultura. Grandes empresas passam a dominar o "antes" e o "depois" da porteira das fazendas, espremendo o rural.
Os agricultores repelem tal história, sentindo saudades dos tempos de outrora. Mas assim caminha a humanidade. Antigamente, tudo dependia da roça. Depois, com o surgimento das cidades, brotam a indústria e o serviço. Por muito tempo ainda, o campo, preponderante na população e na economia, mandaria na sociedade. Detinha, afinal, o poder político.
No Brasil, assim ocorreu até a Revolução de 30. Quando chega ao fim a política do "café com leite", pela qual as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais exerciam seu domínio, inaugura-se uma nova fase da sociedade brasileira. A burguesia urbana entra no jogo. Somente a partir de 1950, porém, sua supremacia se impõe, consolidando-se na década de 1970. Demora 40 anos para o País, então eminentemente rural, consolidar nova economia, hoje globalizada.
Nesse processo histórico, não perdeu valor a agricultura. Houve, sim, uma enorme transformação, rumo aos "agronegócios", palavra da moda. O conceito, moderno, expressa uma nova visão da atividade produtiva no campo. Uma oposição teórica, correta, ao tradicional "ruralismo".
O termo "agribusiness" apareceu nos EUA. Em 1957, os professores John Davis e Ray Goldberg, ambos da Universidade Harvard, lançaram o livro A Concept of Agribusiness. Foi um marco. Pela primeira vez, economistas agrícolas rompiam com a análise segmentada, elaborando uma visão sistêmica da produção rural. O conceito se espalhou, ressaltando a integração produtiva, combatendo o isolamento do campo.
Tal escola de pensamento chegou aqui incentivado pelo saudoso agrônomo Ney Bittencourt de Araújo, na época presidente da Agroceres. Idealista, visionário, publica no final de 1989, juntamente com Ivan Wedekin e Luiz Antonio Pinazza, excelentes técnicos, o livro Complexo Agroindustrial: o Agribusiness Brasileiro. No mesmo movimento, articula a criação da Associação Brasileira de Agribusiness (Abag), em 1993.
Do inglês para o português, a palavra-chave virou agronegócio. Nada mais acertado. O produtor rural, crescentemente, passa a depender e a se relacionar com um conjunto de empresas, sem as quais a produção agropecuária não mais vinga. Desaparece a autossuficiência. De um lado, insumos, máquinas, crédito, tecnologia. De outro, processamento, comercialização, embalagem, marketing. Tudo somado, forma o complexo agroindustrial.
Pode-se destacar um símbolo inicial da história, tardia, do agronegócio brasileiro: somente em 1959 nasce, no interior paulista, o trator da CBT, a Companhia Brasileira de Tratores. A tecnologia nacional ajuda a abrir as fronteiras da agropecuária, imperando por cerca de 20 anos. Mas já na década de 1980 as grandes multinacionais passam a dominar o mercado de máquinas agrícolas. A CBT abre falência.
Na política governamental, básica foi a criação, em 1967, do Sistema Nacional de Crédito Rural. Os bancos se obrigaram a aplicar parte de seus depósitos à vista no financiamento agrícola, promovendo a modernização da agropecuária. Um marco no desenvolvimento brasileiro.
Em 1973 nasce a Embrapa, cérebro da moderna agricultura que se instala no País. O aproveitamento do cerrado, o melhoramento genético de plantas e animais, a evolução das pastagens, novos insumos agropecuários, o plantio direto constituem um novo paradigma de produção agropecuária.
A economia rural passa, assim, a considerar não apenas o agricultor, mas o conjunto das atividades econômicas ligadas ao campo, organizadas nas cadeias produtivas. Afinal, o produtor de laranja depende da indústria de suco para vender sua fruta. O avicultor compra o pintinho da empresa que lhe abaterá o frango. O cotonicultor beneficia seu algodão na máquina de outrem. E ninguém garante produtividade nem qualidade sem tecnologia.
O agronegócio representa um arranjo produtivo inescapável. Carrega, porém, um grave problema. Permite estabelecer uma concorrência desigual entre os setores da produção. De um lado, milhares de produtores rurais, desorganizados. De outro, poucas, e grandes, empresas. O mercado se deforma, afetado pelos oligopólios.
O cooperativismo ajuda nessa agenda, unindo os produtores rurais. Pequenos, juntos, ficam fortes. Os governos tomam medidas para conter o poderio das modernas empresas. Mas não é fácil. Na compra, elas controlam margens. Na venda, impõem preços. O agronegócio esconde um perigo, a falência do agricultor.
Ora, uma cadeia produtiva, para ser competitiva e sustentável, precisa funcionar com harmonia. Um setor respeitando o negócio do outro, formando uma corrente de produção. Não pode haver elo fraco - o agricultor. Pois, se ele quebra, todos se estrepam. E a sociedade terá de pagar a conta.
Por isso, o agricultor percebe com desconfiança o agronegócio. Ao invés de solução, vira um problemão. Fora a má comunicação. Noutro dia, uma liderança rural afirmou, na TV, que o agricultor precisa ser "parceiro da cadeia". Ao que seu interlocutor retrucou: "É, sem a cadeia ninguém sobrevive." O capiau escuta e se pergunta: "Além de me ferrar nessa competição atroz, ainda devo gostar de cadeia?" Aí já é demais.
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