Do Ceará para o ITA De um grupo de escolas de Fortaleza saem todo ano
Em um pequeno conjunto de escolas no Ceará, os estudantes parecem se divertir aprendendo, tamanho é o seu entusiasmo em dissecar plantas, participar de campeonatos de matemática e varar madrugadas no laboratório. Pergunte a esses jovens o que eles mais ambicionam na vida, e a resposta será algo como "me tornar um bom cientista, claro". Tamanho apreço por matemática, química, física já chamaria atenção pelo fato de ser raro nas escolas brasileiras. O que surpreende ainda mais no caso desses estudantes é saber que, em meio a milhões de outros no país, eles estão entre os melhores em tais disciplinas. O desempenho exemplar em exatas é difícil de ver no Brasil – mais ainda no Ceará, onde as notas costumam ficar abaixo da média brasileira. O animado grupo de aspirantes a cientista é, portanto, responsável por dois feitos improváveis. Um deles foi ter alçado o Ceará à condição de estado com o maior índice de aprovações nos últimos cinco vestibulares do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), um dos mais concorridos do país. Entre os calouros, cerca de 30% sempre são cearenses. A posição de destaque se verifica também em outro levantamento recente, este com base nas olimpíadas nacionais de física, química e matemática. Dos 670 alunos que receberam medalhas em diferentes competições, 260 eram do Ceará. Nada menos que 40% dos campeões.
A que se deve o inesperado sucesso cearense na área de exatas? A um grupo de escolas particulares de Fortaleza que, juntas, reúnem 25 000 estudantes dos ensinos fundamental e médio. Quando a primeira delas começou a focar o ensino das ciências, vinte anos atrás, foi sendo copiada pelas outras – que se viram na necessidade de mirar essas disciplinas para sobreviver à disputa por alunos. Os números mostram, agora, que a fórmula aplicada nessas escolas funciona. Não é exatamente original, mas tem o mérito de reunir algumas das medidas de eficiência comprovada em países como Finlândia e Coréia do Sul, os melhores do mundo em educação. Um dos pontos comuns entre as escolas coreanas ou finlandesas e estas cearenses é a carga horária puxada reservada às disciplinas exatas – 25% maior do que a média brasileira. A jornada de estudos é de sete horas, mas, entre aulas extras de xadrez e ("emocionantes") gincanas de matemática, os estudantes ficam ali por mais de doze. Nas escolas em que prevalecem o espírito de competição e a meritocracia, os melhores da turma são alçados às prestigiadas "classes olímpicas". Algo que move alunos como Guilherme Freire, 18 anos, do colégio Farias Brito: "Eu e meus colegas podemos passar o dia inteiro resolvendo um único problema de matemática. E isso é diversão, jamais sofrimento".
O ambiente nessas escolas destoa também pelo alto nível dos professores e dos diretores: 60% são mestres ou Ph.Ds. numa ciência exata. É o caso do engenheiro Henrique Soárez, com mestrado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos, hoje no comando da escola 7 de Setembro: "O ponto central aqui é que os professores se prepararam para desempenhar a função". Um contraste em relação ao que ocorre na maioria das escolas brasileiras. Nas públicas, impressiona o fato de 70% dos professores jamais terem estudado para ensinar tais disciplinas. Diante desse cenário, não espanta que, às vésperas da faculdade, os brasileiros (incluindo os de colégio particular) desconheçam a função dos órgãos do corpo humano e demonstrem perplexidade com o fato de a Terra girar em torno do Sol. Isso é o que mostra um estudo conduzido pela OCDE (organização dos países mais desenvolvidos), que produz os rankings internacionais de ensino – aqueles em que o Brasil aparece, sempre, entre os últimos. Diz o especialista Gustavo Ioschpe: "O desempenho ruim dos alunos brasileiros tem relação direta com o péssimo nível dos professores". Bons profissionais, por sua vez, conseguem algo que merece atenção no caso cearense – feito resumido em poucas palavras pela estudante Jéssica Fernandes, 18 anos: "Sabe o que é contar os minutos para uma aula começar?". A moça e seus colegas desfilam camisetas com os dizeres "Just do ITA" (Só faça ITA) e justificam as olheiras citando as noites insones no laboratório. As aulas práticas, cujo cenário são salas bem equipadas, também ajudam a explicar o sucesso do modelo cearense. Básico, mas raro no Brasil. "Os cearenses que chegam aqui sabem como aplicar o conhecimento científico ao mundo real", avalia o coordenador do vestibular do ITA, Luiz Carlos Rossato. Para passar num concurso tão difícil, os estudantes estão sujeitos a privações e muitas exigências escolares, entre elas resolver equações que consomem horas e horas da vida de gente como o cearense Tarcísio Neto, 19 anos, aprovado no ITA aos 16: "Para me tornar um bom engenheiro, vale o esforço". O entusiasmo dele e dos outros é mais um sinal de que se está, sem dúvida, diante de um bom exemplo.
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Fotos Photodisc/Eyewire