Em Fortaleza, um centro de excelência em ciências exatas
Política

Em Fortaleza, um centro de excelência em ciências exatas


Do Ceará para o ITA

De um grupo de escolas de Fortaleza saem todo ano
alguns dos melhores alunos em ciências exatas do país


Renata Betti

Em um pequeno conjunto de escolas no Ceará, os estudantes parecem se divertir aprendendo, tamanho é o seu entusiasmo em dissecar plantas, participar de campeonatos de matemática e varar madrugadas no laboratório. Pergunte a esses jovens o que eles mais ambicionam na vida, e a resposta será algo como "me tornar um bom cientista, claro". Tamanho apreço por matemática, química, física já chamaria atenção pelo fato de ser raro nas escolas brasileiras. O que surpreende ainda mais no caso desses estudantes é saber que, em meio a milhões de outros no país, eles estão entre os melhores em tais disciplinas. O desempenho exemplar em exatas é difícil de ver no Brasil – mais ainda no Ceará, onde as notas costumam ficar abaixo da média brasileira. O animado grupo de aspirantes a cientista é, portanto, responsável por dois feitos improváveis. Um deles foi ter alçado o Ceará à condição de estado com o maior índice de aprovações nos últimos cinco vestibulares do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), um dos mais concorridos do país. Entre os calouros, cerca de 30% sempre são cearenses. A posição de destaque se verifica também em outro levantamento recente, este com base nas olimpíadas nacionais de física, química e matemática. Dos 670 alunos que receberam medalhas em diferentes competições, 260 eram do Ceará. Nada menos que 40% dos campeões.

Fabiano Accorsi

O melhor da turma
O cearense Tarcísio Neto: ele entrou no ITA aos 16 anos

A que se deve o inesperado sucesso cearense na área de exatas? A um grupo de escolas particulares de Fortaleza que, juntas, reúnem 25 000 estudantes dos ensinos fundamental e médio. Quando a primeira delas começou a focar o ensino das ciências, vinte anos atrás, foi sendo copiada pelas outras – que se viram na necessidade de mirar essas disciplinas para sobreviver à disputa por alunos. Os números mostram, agora, que a fórmula aplicada nessas escolas funciona. Não é exatamente original, mas tem o mérito de reunir algumas das medidas de eficiência comprovada em países como Finlândia e Coréia do Sul, os melhores do mundo em educação. Um dos pontos comuns entre as escolas coreanas ou finlandesas e estas cearenses é a carga horária puxada reservada às disciplinas exatas – 25% maior do que a média brasileira. A jornada de estudos é de sete horas, mas, entre aulas extras de xadrez e ("emocionantes") gincanas de matemática, os estudantes ficam ali por mais de doze. Nas escolas em que prevalecem o espírito de competição e a meritocracia, os melhores da turma são alçados às prestigiadas "classes olímpicas". Algo que move alunos como Guilherme Freire, 18 anos, do colégio Farias Brito: "Eu e meus colegas podemos passar o dia inteiro resolvendo um único problema de matemática. E isso é diversão, jamais sofrimento".

David Capibaribe

Campeonato de xadrez
Alunos adoram competir

O ambiente nessas escolas destoa também pelo alto nível dos professores e dos diretores: 60% são mestres ou Ph.Ds. numa ciência exata. É o caso do engenheiro Henrique Soárez, com mestrado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos, hoje no comando da escola 7 de Setembro: "O ponto central aqui é que os professores se prepararam para desempenhar a função". Um contraste em relação ao que ocorre na maioria das escolas brasileiras. Nas públicas, impressiona o fato de 70% dos professores jamais terem estudado para ensinar tais disciplinas. Diante desse cenário, não espanta que, às vésperas da faculdade, os brasileiros (incluindo os de colégio particular) desconheçam a função dos órgãos do corpo humano e demonstrem perplexidade com o fato de a Terra girar em torno do Sol. Isso é o que mostra um estudo conduzido pela OCDE (organização dos países mais desenvolvidos), que produz os rankings internacionais de ensino – aqueles em que o Brasil aparece, sempre, entre os últimos. Diz o especialista Gustavo Ioschpe: "O desempenho ruim dos alunos brasileiros tem relação direta com o péssimo nível dos professores".

Bons profissionais, por sua vez, conseguem algo que merece atenção no caso cearense – feito resumido em poucas palavras pela estudante Jéssica Fernandes, 18 anos: "Sabe o que é contar os minutos para uma aula começar?". A moça e seus colegas desfilam camisetas com os dizeres "Just do ITA" (Só faça ITA) e justificam as olheiras citando as noites insones no laboratório. As aulas práticas, cujo cenário são salas bem equipadas, também ajudam a explicar o sucesso do modelo cearense. Básico, mas raro no Brasil. "Os cearenses que chegam aqui sabem como aplicar o conhecimento científico ao mundo real", avalia o coordenador do vestibular do ITA, Luiz Carlos Rossato. Para passar num concurso tão difícil, os estudantes estão sujeitos a privações e muitas exigências escolares, entre elas resolver equações que consomem horas e horas da vida de gente como o cearense Tarcísio Neto, 19 anos, aprovado no ITA aos 16: "Para me tornar um bom engenheiro, vale o esforço". O entusiasmo dele e dos outros é mais um sinal de que se está, sem dúvida, diante de um bom exemplo.

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Fotos Photodisc/Eyewire



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