Em sessenta anos de revolucão, só o centralismo sobreviveu
Política

Em sessenta anos de revolucão, só o centralismo sobreviveu


O remanescente do passado

O PC da China celebra sessenta anos da revolução. A dúvida
é o que resta de comunismo além do monopólio do poder


Thomaz Favaro

Liu Jian Qd/AFP

Meticulosa sincronia
Parada militar em Pequim celebra o único resquício de comunismo na China: o partido


O Partido Comunista promoveu uma gigantesca festa para comemorar os sessenta anos da República Popular da China. Em 1º de outubro de 1949, as forças de Mao Tsé-tung tomaram Pequim dos nacionalistas do Kuomintang, instaurando o regime comunista no país. Nenhum detalhe foi deixado de lado. Oito mil soldados, organizados de acordo com a altura, marchavam em meticulosa sincronia. Estudantes levantavam cartazes com as palavras de ordem "obedeça ao partido" e "seja leal ao partido". Até um batalhão de 400 cientistas foi mobilizado para garantir que a chuva não estragaria o evento. O povo chinês foi instado a acompanhar tudo pela TV e não pôr o nariz para fora de casa. Até assistir aos desfiles das sacadas dos apartamentos foi proibido em Pequim. A comemoração foi unicamente do Partido Comunista Chinês, que não quis povo nas ruas. É ele que está fazendo sessenta anos no poder – sem dar sinais de que esteja disposto a compartilhá-lo no futuro.

A questão é o modo como o PC chinês é comunista. O historiador britânico Archie Brown, da Universidade de Oxford, diz que o sistema comunista pode ser definido por três características: o controle estatal dos meios de produção, o monopólio do poder por um partido único e o componente ideológico, que é pertencer a um movimento internacional de construção da sociedade sem divisão de classes. Seguindo esse raciocínio, o único resquício de comunismo na China é o próprio partidão. As reformas adotadas na década de 70 por Deng Xiaoping abriram a economia ao capital privado. Desde a queda do Muro de Berlim, em 1989, não há chinês que acredite seriamente que o mundo inteiro será comunista no futuro.

A parada foi marcada pela demonstração do poderio militar chinês e mostrou o apego do PCC ao passado – esse tipo de exibição bélica saiu de moda com o fim da Guerra Fria. Com 80 milhões de membros, ou 6% da população, o partido confunde-se com o estado. Controla a imprensa, censura a internet e sua palavra é decisiva nos negócios. A cada ano, o partido aceita 1,8 milhão de recrutas. A ideologia marxista persiste na mente de um punhado deles, mas a grande maioria está interessada nos benefícios reais que o partido oferece. Os membros de carteirinha têm preferência em contratos com o governo e recebem um empurrãozinho para seus negócios. Como juízes e promotores são indicados pelo partido, também garantem uma blindagem jurídica aos afiliados.

A ideia de que a liberalidade econômica equivale a uma apólice, prevendo para o futuro igual liberdade de expressão e política, é cada vez menos crível. Os outros regimes comunistas remanescentes, como Cuba e Coreia do Norte, mantêm-se sob o argumento patrioteiro de resistência ao inimigo externo, em especial os Estados Unidos. O Partido Comunista da China se apoia em resultados práticos. Mais de 400 milhões de chineses deixaram a pobreza nos últimos vinte anos e o país continua crescendo a taxas gordas. A crise econômica também mostrou o poder de recuperação e a importância da China na economia mundial. "Com esses resultados, essa aparente contradição pode continuar por algum tempo", disse a VEJA o historiador Archie Brown.




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