Em busca de competitividade, indústrias brasileiras estão fechando
unidades no País e transferindo suas atividades para o exterior, por
meio de investimentos em novas fábricas ou aquisição de empresas já em
operação. Em parte desses casos, as indústrias não procuram mercados
próximos de seus novos centros de produção, pois continuam a atender
preferencialmente o mercado brasileiro. Mas, para competir
internamente com os produtos importados, preferem produzir no
exterior.
Escassez e custo muito alto de mão de obra, tributação excessiva,
juros elevados, concorrência desleal, infraestrutura precária e cara e
valorização do real estão entre os principais fatores apontados pelos
dirigentes dessas empresas para reduzir ou encerrar as atividades no
País e desenvolvê-las no exterior.
O caso relatado pelo Estado (18/04), da maior fabricante de calçados
do País, a Vulcabrás, que decidiu comprar uma fábrica na Índia para
ali produzir a parte do tênis de sua marca que mais emprega mão de
obra, é o mais recente numa lista de empresas brasileiras que
decidiram produzir no exterior. A empresa adquirida emprega mil
trabalhadores e o plano da Vulcabrás é expandir o quadro de pessoal
para 5 mil pessoas em 18 meses. Como a indústria trabalha também com
empresas terceirizadas, é possível que, nesse período, sejam gerados
até 8 mil empregos. Na unidade indiana, a Vulcabrás produzirá a parte
superior do tênis, feita de tecido, couro e material sintético. Na
fabricação de um tênis, essa é a parte que mais emprega mão de obra,
cujo custo, para a fabricante, será bem menor na Índia, compensando o
custo adicional do transporte desse componente até o Brasil, onde o
produto será completado.
O governo brasileiro já adotou uma tarifa antidumping, de US$ 13,85
por par, contra o calçado proveniente da China, o maior concorrente do
produto nacional, mas a medida não limitou a entrada do similar chinês
no mercado doméstico, pois os exportadores daquele país adotaram a
prática conhecida como "triangulação", de embarcar seus artigos em
outros países - como Malásia, Vietnã e até Paraguai -, como se nesses
tivessem sido fabricados. Essa também é uma prática condenada pelas
regras internacionais, mas o processo de punição é demorado, daí a
opção de indústrias brasileiras pela produção no exterior.
A balança comercial brasileira continua a registrar um superávit
expressivo no comércio de bens tradicionais da indústria. Nos
primeiros três meses do ano, esse segmento da indústria registrou
superávit de US$ 8,5 bilhões. Mas o resultado deveu-se basicamente a
duas categorias de produtos - alimentos, por causa do alto preço no
mercado internacional e da alta eficiência da agroindústria
brasileira, e produtos de madeira, papel e celulose. Nas categorias em
que a competitividade é fortemente afetada pela mão de obra, como
têxteis e calçados, pela primeira vez em mais de duas décadas a
balança comercial no primeiro trimestre do ano registrou déficit, que
alcançou US$ 342 milhões. Esse dado também explica a decisão das
empresas do setor de produzir no exterior.
Uma empresa brasileira do ramo de cosméticos decidiu fazer parcerias
com empresas do México, Colômbia e Argentina, como primeiro passo para
estabelecer-se nesses países. O objetivo inicial é abastecer o mercado
local, mas a empresa pode transformar essas unidades no exterior em
base para sua expansão para outros países da América Latina. Outra
empresa do setor de calçados, que chegou a operar 21 unidades
industriais no Rio Grande do Sul, para produzir 4,5 milhões de pares
por ano, com o trabalho de 3 mil pessoas, decidiu mudar-se para a
Nicarágua, de onde continuará a exportar para os Estados Unidos, seu
principal mercado. A empresa brasileira líder da América Latina na
fabricação de índigo e brim anunciou recentemente o acordo com um
grupo da Argentina para lá iniciar a produção de denim.
O fenômeno pode ser duradouro. Dirigentes das empresas que decidiram
transferir a produção para o exterior consideram remota a reconquista
pelo Brasil da produtividade que vem perdendo nos setores intensivos
em mão de obra.