Blog do Emir Sader
A nova política externa brasileira começou com a inviabilização da Alca e o privilégio dos processos de integração regional, que deu início a um movimento de reinserção internacional do Brasil. No novo desenho do mundo depois do fim da bipolaridade da guerra fria, a América Latina tornou-se uma vítima particular do globalização, em que se uniram os países do centro do capitalismo, concentrando ainda mais o poder e a riqueza no mundo. As crises financeiras e a ação do FMI e do Banco Mundial serviram para quebrar o ciclo expansivo que os países do continente tinham tido desde a década de 30 até o término da década de 70 do século passado. O endividamento foi instrumento da consolidação da submissão e do bloqueio das possibilidades de continuidade do desenvolvimento econômico e, principalmente, de políticas redistributivas.
O espaço conquistado para os processos de integração regional passou a ser uma condição indispensável para a implantação de um modelo econômico-social que retomou a expansão econômica estreitamente vinculada à expansão do mercado interno de consumo popular. Se rearticulavam assim as políticas externa e interna, a política internacional e o modelo econômico-social – fórmula fundamental dos governos pós neoliberais latino-americanos.
Além das consequências no plano interno, que passaram a mudar positivamente a fisionomia do continente, a nova inserção internacional se desdobrou na prioridade de aliança com o Sul do mundo – com países da Ásia e da África. No conjunto, esses dois movimentos de reorientação das prioridades brasileiras trouxeram no seu bojo outra novidade importante: a contribuição à construção de um mundo multipolar.
A vitória do bloco ocidental na guerra fria propiciou o mundo voltar à hegemonia de uma única potência, a um mundo unipolar, sob hegemonia da maior potência imperial da história – os EUA. As duas décadas transcorridas desde então viram um mundo de guerra e não de paz. As maiores violações dos direitos humanos foram produzidos pela hegemonia imperial norteamericana: no Iraque, no Afeganistão, em Guantanamo. Diante das situações de conflito, os EUA buscaram resolvê-las através da militarização do conflito.
A política externa brasileira foi ganhando uma configuração mais clara, que assumiu, tacitamente, que o objetivo central da democratização das relações internacionais é a criação de um mundo multipolar, superando a unipolaridade dirigida pelos EUA atualmente vigente. Para isso, é indispensável buscar soluções políticas, pacíficas, de negociações, em que todas as partes envolvidas sejam ouvidas e atendidas. Que se supere o marco atual, em que os EUA são o principal agente dos conflitos – mediante sua militarização – e, ao mesmo tempo, pretendem agir como intermediários para a paz – de que o caso da Palestina é paradigmático.
Foi essa orientação que permitiu a projeção internacional da política exterior brasileira, mais além das nossas fronteiras e mesmo da América Latina. Aqui, buscamos protagonizar soluções políticas aos conflitos e construir espaços nossos nessa direção – como a Unasul e o Conselho Sulamericano de Defesa -, em que, pela primeira vez, a região constrói um espaço de discussão e soluções dos seus conflitos sem a presença dos EUA – marcante na OEA. Vários conflitos – como aqueles entre a Colômbia, o Equador e a Venezuela, os conflitos internos à Bolívia, entre eles – encontraram seu formato adequado para soluções vitoriosas e consensuais.
Gestos como o de Lula dormindo na Palestina, além de reconhecer oficialmente o Estado palestino, foram seguidos pelo mesmo reconhecimento por parte de grande quantidade de governos, preparando as condições para que a Assembleia Geral da ONU reconheça a Palestina como um membro pleno e a Palestina assuma a formalização do seu Estado.
As tentativas de negociação do Brasil junto com a Turquia, para buscar uma solução negociada para os conflitos entre os EUA e o Irã, revelaram como esses caminhos são possíveis, que a entrada nas negociações dos conflitos internacionais de outros governos é fundamental para desbloquear as situações que parecem estar em círculos viciosos.
Não por acaso Lula passou a ser considerado o estadista mais importante no mundo contemporâneo e Celso Amorim foi considerado o melhor Ministro de Relações Internacionais do mundo.
A definição dos direitos humanos como centro da nossa política internacional tem sua lógica, articula prioridades internas com as externas, se soma a um amplo movimento mundial a favor dos direitos humanos. Porém, coloca alguns problemas que precisam ser tematizados.
No discurso, a posição intransigente dos direitos humanos, não importando o país que afete esses direitos, é equilibrada. Porém, ela não se insere em um mundo vazio, mas o faz em um mundo já constituído, com relações de poder definidas, extremamente assimétricas. A decisão de enviar um relator sobre a situação dos direitos humanos no Irã, por exemplo, – que foi apoiada pelo Brasil -, não encontra correspondência em uma decisão similar em relação, entre outros casos gravíssimos de violação dos direitos humanos, como Guantânamo e a Palestina.
Dessa forma, a definição dos direitos humanos como centro da nossa política externa ou é acompanhada de iniciativas em relação a casos como os mencionados e outros, ou se torna unilateral, caindo nos dois pesos e duas medidas, que tanto tem marcado a política internacional, especialmente quando se trata de casos que envolvem os EUA.
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