Política
Equador: Correa a caminho da ditadura
Correa testa hoje Carta hiperpresidencialista Equatorianos devem aprovar nova Constituição, que aumenta a influência do Executivo e possibilita a Correa seguir no governo até 2017
Robert Pugla/Efe
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Morador de Guayaquil em frente a parede pintada pregando 'sim' DO ENVIADO A QUITO O Equador decide hoje em referendo se adotará a sua 20ª Constituição da história. A nova Carta, totalmente redigida pela base governista, aumenta as atribuições do Poder Executivo e abre ao presidente Rafael Correa a possibilidade de permanecer no cargo até 2017.
Os principais institutos de pesquisa indicam que Correa deve novamente sair vitorioso no seu terceiro teste eleitoral no poder -antes, o mandatário esquerdista já havia vencido o referendo para convocar a Assembléia Constituinte e depois conseguiu eleger a maioria dos que redigiram o texto.
Correa comandou pessoalmente a campanha eleitoral. Há uma semana, não sai de Guayaquil, maior centro econômico do país, onde o "não" tem mais força. A tentativa de melhorar o desempenho ali revela o temor de que a região se transforme num pólo de oposição ao governo, como ocorre com Santa Cruz, na Bolívia.
Na terça, o presidente arrestou os bens da construtora brasileira Odebrecht no país, por divergências sobre uma indenização ao país pelos prejuízos da paralisação de uma hidrelétrica construída pela empresa que entrou em operação no ano passado. A manobra de cunho nacionalista foi vista por muitos como um ato eleitoreiro de Correa -vários membros do governo brasileiro, inclusive, deram declarações mostrando esperança de que o presidente equatoriano recue da decisão uma vez passada a votação.
Ontem, Quito anunciou ter obtido um acordo com a empreiteira, mas mesmo assim manteve o embargo sobre os bens da empresa e a revisão de sua permanência no país.
Mais dois mandatosSobram motivos para Correa se empenhar na vitória. A nova Carta introduz a possibilidade de reeleição presidencial.
Como o regime de transição prevê a convocação de eleições gerais, Correa poderá ganhar um novo mandato em janeiro do ano que vem e depois se reeleger em 2013 - igual a Chávez, ao aprovar a sua Constituição.
As principais críticas contra a nova Carta recaem no aumento das atribuições presidenciais, principalmente para a nomeação dos que ocuparão instituições do Poder Judiciário e os órgãos eleitorais.
O presidente também poderá dissolver o Congresso e aumentará o controle sobre os meios de comunicação. Na área econômica, o Executivo terá mais poder regulatório. "Haverá um Executivo muito forte, com controle sobre praticamente todos os outros Poderes e poucos equilíbrios, e um presidente que poderá administrar praticamente tudo", diz o analista político Adrián Bonilla, diretor da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais.
"O novo projeto pode converter o Equador num país totalitário", disse à Folha o ex-presidente Lucio Gutiérrez. "Tudo está definido para que o presidente tenha o poder absoluto sobre a Justiça e sobre os organismos de controle."
"Congresillo"Caso a Carta seja aprovada, as nomeações para o Judiciário e demais organismos do Estado serão inicialmente conduzidas pelo chamado "Congresillo". Trata-se de uma comissão de constituintes que, por seis meses, terá as funções de um Congresso até a instalação de um novo Parlamento eleito. Como a representação será proporcional à Assembléia, os governistas novamente não precisarão negociar com a oposição.
"A transição vai permitir que todas as funções do Estado sejam controladas por Correa não pelos próximos seis meses, mas quatro, seis ou até dez anos", diz o analista César Montúfar, da Universidade Andina Simón Bolívar.
"O regime de transição estabelece que, em 120 dias, se nomeie o Conselho de Magistratura, que organizará o concurso público para a nomeação da nova Corte Nacional Eleitoral, das cortes provinciais e da corte distrital. Todo o processo será organizado a partir da maioria da Aliança País. Veremos uma repolitização do Judiciário, seguindo a linha do Executivo."
Ex-constituinte governista, Maria Paula Romo nega que a nova Carta aumente a ingerência do Executivo em outras áreas. "Antes, havia listas tríplices elaboradas pelo presidente, e o Congresso escolhia, ou elaboradas pelo Congresso, e o presidente escolhia. Agora, nem o presidente nem o Congresso intervirão, serão concursos públicos cidadãos."
Romo defende a maioria governista no "Congresillo". "Se o presidente tem maioria, isso não se deve a falha institucional da Carta, mas ao fato de
Novo texto constitucional ecoa os da Venezuela e da Bolívia DO ENVIADO A QUITO
As semelhanças no conteúdo da nova proposta da Constituição equatoriana com os da Venezuela e da Bolívia têm provocado no país o debate sobre qual o grau de influência externa durante a elaboração da Carta que irá à votação hoje.
O roteiro é praticamente o mesmo. Antes do equatoriano Rafael Correa, os presidentes Evo Morales (Bolívia) e Hugo Chávez (Venezuela) iniciaram seus mandatos impulsionando uma Assembléia Constituinte.
Chávez conseguiu aprovar a nova Carta por meio de um referendo no mesmo ano em que assumiu a Presidência, em 1999. Já Morales, no poder desde janeiro de 2006, enfrenta uma grave crise política porque a oposição não reconhece a sua proposta de Carta. Aprovada no final do ano passado apenas por governistas, depende, para entrar em vigor, de consulta popular ainda sem data.
Além da aprovação por referendo, outros pontos coincidentes incluem a reeleição presidencial, o aumento das atribuições do Executivo, uma maior presença do Estado na economia e a criação de uma espécie de Poder Popular.
A semelhança entre as três Constituições foi reforçada no Equador pela presença como consultor de um grupo liderado pelo advogado constitucionalista espanhol Roberto Viciano. Ligado ao Ceps (Centro de Estudos Políticos e Sociais), com sede em Valência, é um antigo colaborador de Chávez.
"Eles faziam praticamente tudo, desde a ordem do dia. Eles propunham os artigos e inclusive davam as orientações sobre como os constituintes governistas deveriam aprovar esses artigos", acusa o ex-presidente Lucio Gutiérrez, cujo partido, Sociedade Patriótica, tinha a segunda maior bancada da Assembléia Constituinte.
Para Gutiérrez, a principal semelhança é "a busca pelo controle dos organismos de fiscalização e de Justiça".
"As três Constituições têm uma matriz comum, a busca de construir um regime político totalmente distinto, com uma nova classe dirigente, uma nova burocracia no poder, com posturas radicais de esquerda no discurso, mas, dada a altíssima concentração de poder na figura do presidente, um grande nível discricionário em funções essenciais", compara o analista César Montúfar.
Para o analista Adrián Bonilla, a Constituição equatoriana de fato tem vários pontos comuns com a da Venezuela. Ele, porém, minimiza a influência de Chávez sobre Correa.
"O Equador não integra a Alba [bloco político liderado pela Venezuela], não tem a mesma retórica antiamericana, não há técnicos venezuelanos nem médicos cubanos e não há grandes volumes de cooperação venezuelana."
Para Maria Paula Romo, ex-constituinte do partido governista Aliança País, as semelhanças refletem principalmente a substituição de governos "neoliberais" por presidentes de esquerda em vários países da América Latina.
"Há semelhanças não apenas com a Venezuela e a Bolívia como também com vários outros deste continente, incluindo o próprio Brasil."
Sobre a participação de assessoria estrangeira, Romo disse que a Constituição que vai a referendo hoje "é equatoriana, feita por equatorianos para equatorianos e recolhe as experiências desse país. Dizer o contrário é nos subestimar."
(FM)
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