Política
Esquerda Radical em Portugal e na Europa
Recensão que fiz sobre o livro de Luke March e André Freire, publicada no Le Monde Diplomatique de Dezembro de 2012
"Apesar da análise do fenómeno político dever ser feita muito para lá de dados empíricos, academicamente organizados e validados, o contributo da Ciência Política para descodificar a realidade política, tipificando, desenvolvendo análises comparativas e identificando tendências parece-nos bastante claro. O livro de Luke March e André Freire é um perfeito exemplo neste sentido, ajudando a preencher uma importante lacuna na política comparada europeia, dado centrar-se em profundidade nos partidos da esquerda radical (PER). Mas vem igualmente consolidar a visão sobre a esquerda radical em Portugal, complementando uma série de trabalhos na última década sobre os partidos políticos nacionais.
Considerando que os PER são partidos “à esquerda da” e não apenas na “ala esquerda da” social-democracia, Luke March avança com uma muito útil categorização dos mesmos: comunistas conservadores, onde inclui o PCP (marxistas-leninistas ainda quase acríticos da experiência soviética), comunistas reformadores (críticos da experiência soviética e do centralismo democrático), socialistas democráticos, onde inclui o Bloco de Esquerda (oposição profunda ao modelo soviético e à democracia “neoliberal”, adotando os temas da “nova esquerda”) e socialistas populistas (semelhantes aos socialistas democráticos, mas mais marcados por apelos antisistema e antielite, ecletismo ideológico e ênfase na identidade).
Centrando-se na experiência Portuguesa, os prismas de análise utilizados permitem uma visão bastante fundamentada e comparada sobre as duas principais forças políticas nacionais à esquerda do PS: desde a sua origem e enquadramento político à sua evolução eleitoral, passando pelo perfil dos eleitores, pela taxa de militância e pelos posicionamentos ideológicos, pela predisposição para a coligação e pela performance eleitoral.
Abordando a inevitável questão da inexistência de um governo suportado por mais do que um partido à esquerda em Portugal, são apresentadas explicações diversas, algumas mais em linha com o senso comum do que outras. Destaque para curiosa constatação da ampla distância ideológica que separa o PS dos partidos à sua esquerda, não por estes últimos se situarem excessivamente no extremo (o BE até se encontra à direita da média dos PER europeus), mas sim pelo PS estar bastante mais ao centro do que a maioria dos partidos europeus da sua família política. Destaque também para a menos evidente constatação de que a existência de dois partidos de esquerda radical com uma dimensão significativa dificulta os entendimentos. Se a cooperação com o centro-esquerda for protagonizada por apenas uma destas forças políticas, a segunda fica como o caminho livre para monopolizar o protesto sozinha.
Estas e muitas outras dimensões são exploradas pelo livro de Luke March e André Freire. A obra está longe de esgotar os trabalhos sobre o objeto em questão, não sendo evidentemente essa a visão dos seus autores. Vem sim garantir um contributo estruturado de peso para melhor conhecer e compreender a esquerda radical em Portugal e na Europa."
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