Política
EUA e AL Merval Pereira
NOVA YORK. A América Latina nunca teve uma prioridade na agenda da política externa do governo dos Estados Unidos, e os dois candidatos atuais não destoam desse quadro geral. O republicano John McCain tem mais projetos do que o democrata Barack Obama, e os republicanos ainda têm direito a serem identificados como menos protecionistas do que os democratas, mas essa diferença fica cada vez menos nítida diante da crise econômica que assola o país. No mais recente número da revista de política internacional Foreign Affairs, Jorge G. Castañeda, exministro das Relações Exteriores do México e hoje professor da Universidade de Nova York, lembra que o tratado de livre comércio com a Colômbia, um parceiro especial dos Estados Unidos na região, ainda não foi votado pelo Congresso democrata e possivelmente não o será até o final do governo Bush.
Castañeda coloca entre as tarefas prioritárias do próximo presidente dos Estados Unidos em relação à América Latina, ao lado da abertura comercial, o reforço aos governos de esquerda que chama de “moderna, democrática, globalizada e adepta das leis do mercado”, como o de Lula no Brasil, o de Michelle Bachelet no Chile, o de Tabaré Vasques no Uruguai, em contraposição a uma esquerda “retrógrada, populista, autoritária e antiamericana” encarnada por Hugo Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador, Raul Castro em Cuba, entre outros.
É essa esquerda que transita em torno do projeto político de Chávez que está mais uma vez envolvida em uma crise política na região, situação de conflito que já estava caracterizada desde quando o governo venezuelano passou a ter ascendência política e financeira sobre diversos outros governos da região, e não apenas a Bolívia de Evo Morales.
Fortalecido pelo aumento do preço do petróleo, ele atua em dois momentos: no ideológico, e também com a diplomacia do petrodólar, como no caso da Argentina, comprando os bônus argentinos e enviando malas de dinheiro para as campanhas políticas, e também a sustentação financeira de Cuba.
Já se disse que os petrodólares de Chávez substituem o “ouro de Moscou” do tempo da Guerra Fria, fazendo com que seu peso político se torne desproporcional à sua real importância geopolítica na região.
A forma como Chávez tem agido, no entanto, só vem a reforçar a imagem de Lula como um líder equilibrado em uma região conturbada. O país tem vários projetos que neutralizariam a influência venezuelana, mas encontra resistências no próprio bloco.
Além do Mercosul, de teor mais econômico, o Brasil tenta colocar de pé uma Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), que seria o braço político da união regional.
Em outra frente, o Ministério da Defesa negocia a coordenação das políticas de defesa do continente, Conselho Sul-Americano de Defesa, que seria responsável por uma estratégia regional conjunta.
Os argentinos reagem à criação da Casa, convencidos de que enfraqueceria o Mercosul, e a Venezuela, que tem um projeto de união das forças militares da região, deve ser um obstáculo ao projeto brasileiro de defesa regional, que mitiga o lado belicoso do projeto “bolivariano”.
Em meio a um ambiente de hostilidades crescentes, a política de armamento da Venezuela acendeu o alerta em setores militares brasileiros, e o reequipamento das nossas Forças Armadas passou a estar na ordem do dia. No plano internacional, o namoro entre Chávez e Putin e Chávez e Ahmadinejad só faz ampliar as áreas de conflito com os Estados Unidos.
Mesmo que se tratem apenas de bazófias, o convite para que a Rússia participe de manobras militares como acontece agora, ou tenha uma base militar na Venezuela, e a proposta para um programa comum de energia nuclear com o Irã, ao mesmo tempo em que a Venezuela compra armamentos militares, faz com que o clima político na região esteja sempre efervescente.
E não por acaso os Estados Unidos recriaram a 4ª Frota nos mares da região, provocando reclamação generalizada, vocalizada pelo governo brasileiro. Clóvis Brigagão, diretor do Centro de Estudos das Américas da Universidade Candido Mendes, acha que tudo isso leva a pensar “que a crise vai se agravar, os limites de negociação se estreitam e que algum tipo de manobra de desestabilização política na Bolívia surgirá diante de tantos fracassos e exacerbações radicais de cada lado, tanto internas como externas”.
Quanto à propalada tentativa do governo Bush de participar de um golpe contra Morales, Brigagão duvida, “embora o legado americano não seja desconsiderável ao longo da nossa história”. A troca de insultos e a expulsão dos embaixadores em La Paz e em Washington “não inspiram uma posição conciliatória de ambos os lados”, analisa Brigagão, para quem a atitude de Chávez é recorrente, uma série de provocações bem ao seu estilo.
Segundo ele, o Brasil “deve e pode mediar toda essa trapalhada, mas permanece ambíguo em termos de ter dado apoio incondicional a Morales durante todo o desenrolar da crise e, ao mesmo tempo, sofre todas as pressões por parte dos governadores da Meia Lua, principalmente o de Santa Cruz — que ameaçam cortar a transferência do gás para o Brasil, fecham as fronteiras, podem vir a ameaçar agricultores brasileiros que vivem na Bolívia”.
Além de uma efetiva atuação de emergência por parte do Grupo de Amigos, formado por Brasil, Argentina e Colômbia, Clóvis Brigagão acha que deveria ser convocada uma reunião de emergência do Conselho de Ministros de Relações Exteriores dos estados membros da OEA, do Grupo do Rio, para “desfazer a potencial crise entre Bolívia e EUA, isolar a posição de Chávez, definitivamente, se isso é possível diante da virulência como está sendo processada a atual crise”.
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