Política
Ex-babá agora é soldadora
Trabalhadores trocam canavial e até o Japão pelo EAS
Letícia Lins Enviada especial O GLOBO
IPOJUCA (PE). Tido como a maior e mais moderna empresa do setor no Hemisfério Sul e apontado como o marco da retomada da indústria naval no Brasil, o Estaleiro Atlântico Sul (EAS) é o melhor exemplo da carência de mão de obra especializada, hoje o principal gargalo do desenvolvimento em Pernambuco, que cresce a taxas superiores à da região. A empresa já apelou para o Japão, de onde trouxe 135 dekasseguis brasileiros, como são chamados naquele país os que trabalham longe de casa.
O EAS já gastou mais de R$ 16 milhões em qualificação, beneficiando 7,2 mil pessoas, entre eles ex-cortadores de cana e trabalhadores informais. Mesmo assim,
acaba de publicar anúncios em oito estados, recrutando soldadores, montadores, engenheiros, projetistas e supervisores. No EAS, trabalham nove mil pessoas,
mas com as demandas do pré-sal, a empresa deverá contratar mais 1.200. Hoje, o EAS tem uma carteira de US$ 3,5 bilhões, com 22 navios e um casco de
plataforma.
— Foi difícil. O pessoal que veio do Sudeste já tem nível de liderança e experiência na indústria naval. Mas temos aqui muitos que foram treinados no chão da
fábrica e estão ascendendo — diz Gerson Beluci, diretor Administrativo e de Relações Institucionais do EAS.
José Tito de Souza, de Escada, a 62 quilômetros de Recife, começou a trabalhar menino nos canaviais. Ao saber que o estaleiro estava sendo implantado, se ofereceu para trabalhar. E há um ano e oito meses, é funcionário do EAS. Começou atuando na construção de diques, cais, nivelando lajes. Aos poucos, aprendeu outros ofícios. E virou auxiliar de topógrafo. — Meus colegas ajudaram, aprendi muita coisa e fui ficando por aqui. Quando passo no meio dos canaviais, tenho até pena.
Edvânia da Silva, de 31 anos, nasceu em Jaboatão dos Guararapes, a 18 quilômetros de Recife. Já já foi garçonete, cambista, babá. Mesmo sem experiência, se inscreveu no EAS e após um ano e dois meses, foi chamada. Não sem antes passar por treinamento oferecido pelo estaleiro. Edvânia agora é soldadora, função
que antes praticamente só era ocupada por homens.
Filho de pai japonês e mãe brasileira, Euclides Minoru Yamaoka, de 41 anos, viajou em 1990 para o Japão, com o sonho de se capitalizar. Trabalhou duro no setor
automotivo, na construção civil, até chegar a um estaleiro onde era soldador. Ao saber que Pernambuco tinha um estaleiro resolveu arriscar: pegou um avião para Recife e se surpreendeu com a empresa. — Vim do Japão só para conversar com um diretor, 48 horas depois estava contratado. Antes do pessoal que veio do Japão, a indústria produzia dois blocos por mês. No primeiro que passamos aqui, fizemos 11.
Empresas saem em busca de profissionais
Dos boias-frias dos canaviais em Pernambuco aos dekasseguis, passando pelos plantadores de cebola no Sul do país. Uma boa quantidade desses trabalhadores
está deixando a terra firme para navegar em mares promissores na oferta de empregos da indústria naval.
Afinal, esse setor, que há dez anos tinha dois mil empregados, chegou no fim de 2010 com 50 mil empregos diretos. Este ano, serão criados cerca de mil empregos, número que chegará a 100 mil em 2016: — Será um dos setores de peso na economia, com número de empregados equivalente ao da indústria de carros — disse Augusto Mendonça, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Construção Naval e Offshore (Abenav).
Ivanir Vicente de Paula, de 57 anos, viveu os tempos áureos do setor e sofreu com a crise de 1989. Após 20 anos trabalhando em outras profissões, como bombeiro hidráulico, voltou para o setor, e está há três anos como encanador no Estaleiro Eisa. — Tive que procurar outro emprego. Vi muitos colegas desesperados, mas sempre tive esperanças de voltar a trabalhar na área naval — destacou.
Com investimentos de US$ 77 milhões na ampliação do seu Estaleiro Aliança e na construção de uma fábrica em São Gonçalo, o Grupo Fischer criou o Projeto Pescar. Segundo Luiz Maurício Portela, presidente da companhia, o projeto procura jovens nas comunidades da região, oferecendo treinando.
Ariovaldo Rocha, presidente do Sinaval, lembra que mais de 200 dekasseguis foram repatriados em 2010. Segundo ele, a falta de engenheiros navais só vai se normalizar entre 2012 e 2013. (R.O. e B.R.) ■
Extraído de Leituras Favre
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