O mais bem-sucedido programa social do governo federal, o Bolsa Família, atende hoje 20.400 moradores de rua no país inteiro. Provavelmente, não é grande fatia do total. Na verdade, não se tem a menor ideia de quantos brasileiros vivem nas calçadas. Um levantamento realizado no ano passado indicou a existência de 31.992 brasileiros nessa situação. Mas foi pesquisa parcial, excluindo diversas grandes cidades, como São Paulo e Belo Horizonte. No Rio, um estudo recente da prefeitura registrou pouco mais de dois mil cidadãos sem teto, a maioria no Centro. E 70% disseram aceitar ir para um abrigo municipal. O que é pelo menos curioso, já que o número de moradores nas calçadas não parece ter diminuído. E há tipos diferentes de moradores de rua. Muitos dos meninos que vendem balas e biscoitos nos sinais de trânsito não são tecnicamente sem teto. Mas vivem em subúrbios distantes e não têm recursos para voltar para casa todos os dias. Dormem onde podem durante cinco ou seis dias por semana. E passam sábado e domingo com a família. Principalmente, não são mendigos. Nem se drogam ou assaltam. Esses podem ser beneficiados pelo Bolsa Família, mas só em tese: é difícil imaginar como conseguiriam frequentar escolas regularmente. E nem vamos falar dos jovens marginais que dormem nas praias e nas calçadas a qualquer hora do dia. Para esses, e para os adultos alcoólatras e doentes mentais, a assistência do Estado parece inexistente, ou pelo menos impotente. Esta semana, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome anunciou que até o fim de 2010 os moradores de rua farão parte de um grupo de 600 mil novos beneficiários do Bolsa Família. Só há um problema: uma das regras do programa é que os filhos das famílias beneficiadas frequentem escola até os 17 anos. Não parece muito sensata a ideia de que crianças que dormem sob marquises, com um pedaço de papelão como colchão e cobertor, têm condições de ir à escola diariamente. O ministério informou que a grande maioria dos 20.400 moradores de rua já beneficiados são adultos sem filhos. Ou seja, o problema das crianças está resolvido em todos os casos em que ele não existe. Uma lógica impecável: o Bolsa Família só vale integralmente para famílias sem teto e sem filhos. E a tragédia diária dos meninos de rua do Rio e de outras grandes cidades - que, por infeliz coincidência, não votam - continua, portanto, à margem das benesses do principal programa social do governo federal. |