Os especialistas dizem que em política só existem dois fatos a levar em conta: o fato novo e o fato consumado. Consumada a eleição dos dois candidatos oficiais à presidência da Câmara e do Senado, resta agora acompanhar os fatos políticos que decorrerão dessa tomada do Poder Legislativo pelo PMDB. Nas duas vezes em que isso aconteceu, fatos importantes marcaram a História do país.
No biênio 1991/1992, Ibsen Pinheiro presidiu a Câmara e Mauro Benevides, o Senado, e comandaram o processo de impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello. Em 2009/2010, com Michel Temer na Câmara e José Sarney no Senado, o PMDB assumiu a vice-presidência na chapa de Dilma Rousseff.
Um partido com a organização do PMDB não preside o Legislativo sem que esse fato determine seu fortalecimento, e por isso a primeira consequência da eleição de ontem para presidente da Câmara foi o enfraquecimento do PSB como ator de primeiro nível para a eleição de 2014.
A candidatura do deputado federal Julio Delgado não chegou nem a provocar um segundo turno, o que demonstra que foi precipitada a ação do governador pernambucano Eduardo Campos de permitir que seu partido abrisse uma dissidência oficial com a base governista.
Se a vice-presidência na chapa de reeleição de Dilma é a aspiração do PSB, ela ficou mais distante se depender apenas de sua vontade. O PMDB, no comando das duas Casas do Congresso, terá meios de pressionar o governo se quiser manter a situação atual.
Se, no entanto, a possibilidade de governar São Paulo parecer mais atraente a Temer e sua turma, o PMDB estará em condições de abrir mão da vice. Não creio, porém, que, para os interesses do partido, que tem uma força bem distribuída pelo país, circunscrever-se a São Paulo seja um projeto viável.
Tanto o discurso do deputado federal Henrique Alves ontem quanto o do senador Renan Calheiros destacaram uma plataforma positiva para o Congresso que dificilmente será cumprida diante de tantos compromissos políticos assumidos nas campanhas, a começar pela promessa de Renan Calheiros de fazer uma gestão "transparente".
Há, no entanto, temas à vontade para confrontos com o Palácio do Planalto, se e quando necessário. Mas o compromisso dos dois com a defesa da liberdade de imprensa é um ponto que está no DNA do partido que um dia já foi o baluarte da luta contra a ditadura, quando presidido por Ulysses Guimarães. O PMDB, mesmo passível de críticas por seu comportamento o mais das vezes fisiológico, tem compromissos democráticos que nunca foram colocados em questão.
Ambos os presidentes reclamaram das medidas provisórias, que retiram do Legislativo a iniciativa dos debates dos grandes temas nacionais. Nessa miríade de promessas, os vetos presidenciais serão enfrentados, e o pagamento das emendas parlamentares terá um rito mais independente, que não deixe o Legislativo nas mãos do Executivo.
Nos seus quatro "eixos propositivos", Renan incluiu ainda a modernização do Senado, que tem vários estudos da Fundação Getulio Vargas que não saíram do papel, e o reforço do papel do Senado na "modernização e o aumento da competitividade do país".
A avaliação periódica do sistema tributário nacional, com vistas a perseguir a justiça fiscal e o impacto da política tributária na redução das desigualdades, seria uma maneira de fiscalizar a ação do Executivo sem se limitar a relatórios periódicos dos ministros, que comparecem ao Congresso de maneira burocrática e sob a proteção da maioria governista.
Essa comissão, que poderá ser formada por economistas de várias tendências, teria a capacidade de se antecipar ao governo quando isso fosse necessário, marcando a atuação do Congresso na política econômica. Na teoria, teríamos dessa maneira Câmara e Senado atuando com independência, sem submissão ao governo. Na prática, teremos certamente lampejos dessa independência, sempre que o PMDB precisar se impor dentro da aliança governista.
Fonte: O Globo