FMI, não há graça que não faça o FMI
Política

FMI, não há graça que não faça o FMI


Num momento em que tudo parece empurrar o país para a ajuda externa do FMI ou do FEEF, a linha acima da conhecida música de José Mário Branco relembra bem que esta não seria a primeira vez que tal acontece. Mas relembra também, e este é o ponto que parece estar a ser esquecido na (pobre) discussão que tem envolvido esta questão, que este tipo de ajuda externa não sucede sem contrapartidas. Ou seja, não são apenas os níveís das taxas de juro que merecem ser tidos em conta, mas sim o teor das reformas económicas que têm de ser implementadas como contrapartida da ajuda. E é sobretudo o teor das referidas reformas que merece, no mínimo, algum relevo na discussão a ter.

Contrariamente ao que é veiculado, quer por uma certa preguiça da comunicação social, quer por natural conveniência dos actores políticos, a política económica envolve de facto opções políticas. Envolve a escolha entre modelos diversos, entre soluções diferenciadas. E é também nas situações de crise que as diferenças na abordagem económica mais se podem fazer sentir. Porquê cortar aqui e não ali? Deveremos cortar ou deveremos investir para redinamizar a economia? Neste sentido, importa pelo menos ter a noção que o caminho imposto por instituições como o FMI ou o FEEF, passarão necessariamente por um solucionamento liberal dos problemas económico-financeiros do país. No fundo, um aprofundamento da linha política que tem sido seguida nos diversos PECs.

O liberalismo económico acredita que é através do livre funcionamento das forças do mercado que se obtém desenvolvimento. Ou seja, quanto menos constragimentos existirem à actuação dos mercados, mais riqueza se produzirá. Neste sentido, tudo deve ser feito para abrir caminho às empresas, reduzindo-se por exemplo a taxação das mesmas para que estas possam reinvestir. Por outro lado, a crença no mercado e no poder da iniciativa privada determina também o pensamento sobre o papel do Estado. Para um liberal, o Estado deverá apenas intervir onde a iniciativa privada não consegue chegar. Defende portanto um Estado mínimo, não intrometido na economia e com limitadas funções sociais.

Neste sentido, o recurso à ajuda externa terá necessariamente como contrapartida o recurso a medidas de teor liberal para enfrentar a actual crise. É esta a contrapartida exigida pelo FMI e será também a pedida pelo FEEF. Implicará uma aposta revigorada no emagrecimento do aparelho do Estado, um recuo nas suas atribuições de teor social (pensões, subsídios de desemprego, abonos,etc), a tendência para flexibilizar o mercado de trabalho e de baixar os impostos sobre as empresas, entre outras medidas. Em suma, significará o reforço das medidas de austeridade até agora aplicadas.

Este é sem dúvida um dos caminhos políticos possíveis. Mas “se calhar” conviria colocar à discussão caminhos alternativos que impliquem a redução da despesa pública diminuindo por exemplo as parcerias público-privadas e a externalização de serviços que podem ser desenvolvidos internamente. Caminhos que considerem que a redução de salários contrai a procura interna e promove a recessão económica. Caminhos que considerem que a solução desta crise passa por uma mudança no sistema financeiro internacional que a provocou e não por um alimentar acrítico do mesmo. Mas, pelos vistos, exigir a discussão de políticas económicas alternativas é visto como um devaneio lírico, uma espécie de excentricidade inconsequente e até perigosa. Esquece-se assim que, em política, a afirmação de uma solução sem alternativas, do tipo “ou isto ou o caos”, sempre foi altamente empobrecedora da democracia.
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Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
(Imagem: Like Cool)



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