Política
Fomos Papados?
Com maiores ou menores expectativas, é difícil passar ao lado da eleição de um novo papa. A mudança do responsável máximo da Igreja Católica é demasiado relevante para poder passar despercebida. Não é necessário aprofundar o papel que a Igreja continua a ter na formação das mentes e da cultura dos povos, ou a influência que tem direta ou indiretamente no fenómeno político. Somos obrigados a concordar que a escolha sobre quem ocupará o cargo de papa não é um mero pormenor. Pelo contrário, com maior ou menor mão de deus, o peso estratégico desta escolha determina que tenhamos de estar atentos às suas consequências.
Como é evidente, mais do que saber se é do país A ou B, se anda de transportes públicos ou se é amante de futebol e de tango, importa saber se teremos um novo papa conservador ou reformista.Teremos alguém do status quoou alguém empenhado na mudança? O novo papa será capaz de inverter o endurecimento da Igreja que Bento XVI corporizou ou procurará marcar pela mudança? Será capaz de agarrar de frente os míticos tabus internos da organização – como o celibato dos padres e o acesso das mulheres ao sacerdócio – ou mantê-los-á intactos? Será capaz de gerar mudança em posicionamentos sociais quase primitivos – como a igualdade entre homens e mulheres, o sexo como algo separado do processo de procriação, a possibilidade dos casamentos terminarem ou a normalidade da homossexualidade?
Pelos vistos a escolha a que se chegou não traz grande animação a quem espera pela mudança na Igreja. Jorge Mario Bergoglio é conhecido por liderar a ala conservadora da Igreja argentina e por constar em processos judiciais pela sua cumplicidade com a ditaduraque o seu país viveu. As nebulosas quanto a esta última dimensão são mais do que muitas e o seu papel muito ativo contra a legalização da IVG em caso de violação ou de risco de vida da mãe e do bebépermitem-nos perceber com clareza o nível do seu conservadorismo. A Associação Novos Rumos, que representa os homossexuais católicos em Portugal, também já veio recordar que Bergoglio se referiu ao casamento entre pessoas do mesmo sexo como sendo "um plano de Satanás para enganar os filhos de Deus". Comentários para quê?
Estranho seria que o conclave que elegeu Bento XVI e que até foi reforçado por escolhas suas, tivesse agora escolhido um papa progressista, de mangas arregaçadas e com vontade de colocar mãos à obra de reformar a Igreja. Não foi isso que de facto aconteceu e é naturalmente exasperante pensar que teremos com certeza de esperar mais uma série de anos para que tal possibilidade exista novamente. A Igreja escolhe o seu destino, mas é naturalmente lamentável que uma instituição com a sua dimensão persista em viver literalmente no além.
Artigo hoje publicado no Esquerda.net
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