Fraude com chancela oficial
Política

Fraude com chancela oficial




Revista Veja 

VEJA teve acesso a um documento da Casa Civil que mostra que o governo sabia do superfaturamento da obra de reforma do Palácio do Planalto e, mesmo assim, autorizou o pagamento à empreiteira

Daniel Pereira

Projetos mal elaborados, serviços de péssima qualidade e pagamentos generosos a empreiteiras andam de mãos dadas com o desperdício e o desvio de verbas públicas no Brasil. Esses males são notórios e não poupam nem mesmo a Presidência da República, a quem cabe, em última instância, zelar pela correta aplicação dos recursos. A obra de restauração do Palácio do Planalto é um exemplo desse descaso com o dinheiro que o governo arrecada por meio da cobrança de impostos. Idealizada pelo então presidente Lula, ela durou quase um ano e meio. Em agosto de 2010, foi considerada concluída, com a consequente reabertura das portas do palácio. Mas concluída apenas no discurso oficial, porque o projeto está inacabado, rende uma disputa milionária de bastidores e, pior, superfaturamento. Tudo corriqueiro para os padrões negociais de Brasília, se não fosse um detalhe: o governo sabia do superfaturamento e, ainda assim, autorizou que a empresa responsável pela reforma recebesse milhões pelo que não fez. Esse atestado de mau uso do dinheiro público consta da nota técnica 27, de outubro de 2010.

De autoria da Secretaria de Controle Interno da Presidência, o texto observa que o custo do empreendimento saltou de 78 milhões de reais, quando foi realizada a licitação, em maio de 2009, para 112 milhões, um crescimento de espantosos 43% - aumentado pelos aditivos contratuais que tanto irritam a presidente Dilma Rousseff. Nele, os técnicos ressaltam que não há documentos que comprovem os custos dos serviços incluídos no projeto durante a sua execução. Depois de enumerarem outras falhas, eles cravam que o governo pagou 5,5 milhões de reais a mais do que o devido à empresa Porto Belo Construções, contratada para realizar a restauração do Planalto, e pedem providências. Resumindo: a repartição da Casa Civil da Presidência, a quem cabe fiscalizar as contas do Planalto, apontou a fraude, mas a repartição da Casa Civil, a quem cabia manter as obras do Planalto em andamento, nada fez a respeito. Pior: em vez de pedir o ressarcimento do dinheiro, o governo, mesmo alertado, desembolsou recursos e agora negocia para pagar mais 3,5 milhões de reais. A empreiteira cobra um valor maior: 11 milhões de reais, o que levaria o preço final a 123 milhões de reais.

Segundo a Secretaria de Comunicação da Presidência, a nota técnica foi encaminhada à Secretaria de Controle Interno do Ministério da Defesa e à Comissão de Obra do Exército. Já a assessoria da Defesa diz que o caso está sob análise de auditores internos. As explicações param por aí. "Numa obra de restauração, é muito comum surgirem demandas ao longo do processo. Além disso, parte dos projetos foi entregue durante a execução, o que nos obrigou a refazer determinados trabalhos", justifica Celso Silva Filho, proprietário da Porto Belo. O processo de reforma do palácio é repleto de episódios incomuns. De início, coube à Casa Civil realizar a licitação da obra. Quando o processo já estava em curso, a própria Casa Civil decidiu suspendê-lo, em março de 2009, advertida de que o edital tinha problemas graves, como a possibilidade de beneficiar certas empresas. Lula, então, transferiu a responsabilidade pela licitação e monitoramento da obra ao Exército. Também escalou Erenice Guerra, que ainda dava expediente como secretária executiva da Casa Civil, para acompanhar a obra da parte do Planalto. Erenice, que foi madrinha do edital de licitação suspenso, fez fama como estrela de um esquema de corrupção que funcionava dentro do Planalto e envolvia seus filhos com empresários interessados em negócios no governo.

Ingredientes da reforma do Planalto são semelhantes aos detectados no esquema de corrupção que agia no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Os dois casos têm até um personagem em comum. Responsável pela restauração do palácio, o Departamento de Engenharia e Construção do Exército (DEC) é formado por três diretorias: Obras Militares, Patrimônio e Obras de Cooperação. As duas últimas foram chefiadas pelo general Jorge Fraxe na gestão Lula. Desde setembro, Fraxe comanda o Dnit e tem como missão justamente dar um basta ao aumento dos custos das obras no departamento. Apesar de ter sido um dos diretores do DEC, ele alega que não tinha relação com a restauração do palácio. A atuação no Exército também assombra o novo trabalho de Fraxe por outro motivo. O DEC foi o primeiro cliente do Instituto Nacional de Desenvolvimento Ambiental (lnda), uma ONG criada por subalternos de Fraxe e que quase abocanhou um contrato de 6 milhões de reais no Ministério dos Transportes. No meio da negociação, uma servidora do ministério cobrou 30.0000 reais de propina para selar o acordo. Um dos dirigentes do Inda disse ter denunciado a cobrança a Fraxe, que teria abafado o caso, segundo revelou VEJA na semana passada. A Controladoria-Geral da União abriu sindicância para apurar o caso. Para Dilma, essa investigação não é suficiente. A presidente quer que Fraxe demita a servidora que teria exigido o pedágio.



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