Washington hospeda a mais ambiciosa reunião para
debelar a crise mundial, mas o calendário é ruim
(com Bush sem ir e Obama sem chegar) e cada país
está falando sua própria língua financeira
André Petry, de Washington
Montagem com fotos de Photodisc/Getty Images/RF e Getty Images |
IDIOMAS DIFERENTES |
Com uma unanimidade rara, os líderes das economias mais possantes do planeta estão harmoniosamente unidos em torno do objetivo de superar a pior crise financeira mundial dos últimos oitenta anos e evitar uma recessão profunda e prolongada. O que ninguém sabe exatamente é o caminho para chegar lá. Com sua grandeza napoleônica, a França está convencida de que chegou ao fim a era do dólar como moeda global e quer fundar uma "nova ordem financeira mundial". A Inglaterra, com sua sabedoria de velho império, acha necessária uma "nova Bretton Woods", metáfora para o sepultamento da ordem financeira surgida no pós-guerra, mas, por enquanto, se dará por satisfeita se o Fundo Monetário Internacional (FMI) sair fortalecido. A Rússia, assombrada por seu passado soviético, considera que um Fundo Monetário Internacional poderoso é a volta do mamute acusado de plantar políticas financeiras para colher resultados ideológicos. A China, alegremente capitalista no seu pragmatismo milenar, quer mais influência no FMI. Os Estados Unidos, a potência sem a qual nada se faz, olham tudo com muita, muita desconfiança.
Foi assim, como uma babel financeira, em que cada um fala uma língua, que começou na noite de sexta-feira passada, em Washington, a cúpula do G-20, grupo de países que representa quase 90% da economia mundial, o Brasil incluído. Não é uma surpresa. Cada país, ou bloco de países, tenta aproveitar o xadrez da crise para avançar uma casa. A Europa, com o francês Nicolas Sarkozy à frente, busca faturar com o momento de fragilidade americana, pegando Washington num duplo contrapé – um país com muita crise e pouco governo. Os emergentes, como se viu na reunião preliminar em São Paulo, estão de olho no curto prazo: querem crescimento sem inflação, binômio que lhes tem dado influência global crescente. Os Estados Unidos têm todo o interesse em arregimentar os líderes do mundo na tarefa de contenção da crise, mas são céticos sobre a possibilidade de criar uma "nova ordem" mundial. Afinal, a ordem atual é americana. Em Nova York, na véspera da abertura da cúpula, o presidente George W. Bush reuniu suas últimas energias para defender com lógica impecável seus pontos de vista:
• "Alguns dizem que a culpa da crise é a falta de regulamentação do mercado de hipotecas americano, mas muitos países europeus têm vasta regulamentação e estão passando por problemas idênticos aos nossos".
• "A crise não foi um fracasso do sistema de livre mercado e a resposta não é reinventar esse sistema, mas, sim, lidar com os problemas que enfrentamos. Seria um erro terrível deixar que alguns meses de crise estraguem sessenta anos de sucesso".
O calendário trabalha contra o sucesso da cúpula. Bush está saindo e Obama ainda não assumiu. Mas seria um alívio se os líderes se entendessem sobre o essencial. "O mundo precisa de uma nova Bretton Woods. Mas, embora precisando, não é agora que o mundo vai tê-la", disse a VEJA Niall Ferguson, professor de história econômica da Universidade Harvard e autor de Império: Ascensão e Queda da Ordem Mundial Britânica e as Lições para o Poder Global, cuja leitura, nos dias de hoje, é especialmente convidativa. Com a urgência da crise mundial e o limbo político nos EUA, a cúpula em Washington será um avanço se terminar com a aprovação de um cronograma de trabalho e um conjunto de princípios. A reunião será lembrada como um tremendo sucesso se o G-20 concordar em concluir a Rodada Doha, afastando o fantasma do protecionismo e informando que a economia mundial, apesar da crise, segue de portas abertas para os negócios.