Política
Geithner reloaded Míriam Leitão
O GLOBO
O governo americano reconheceu o óbvio: "O sistema financeiro está travando a recuperação econômica" e divulgou detalhes do mesmo plano de seis semanas atrás. O grande problema continua sendo: como remover dos balanços dos bancos US$2 tri em ativos podres? A equipe econômica de Obama tem andado em círculos. Ontem, detalhou os passos para tentar sair do círculo.
Passo um: o banco identifica que ativos podres ele quer vender, e todos os bancos, de qualquer tamanho, podem entrar no programa. Passo dois: o FDIC, fundo garantidor de depósitos, vai organizar um leilão de compra desses ativos. Os compradores serão os fundos público-privados de investimento, formados por dinheiro do contribuinte e de sócios privados. Passo três: o financiamento para a compra dos papéis será dado pela garantia do FDIC. Passo quatro: os administradores dos fundos de investimento vão controlar o processo de recuperação ou liquidação desses ativos que forem comprados.
Antes, as dúvidas eram: quem iria comprar, como seria o processo de venda e como dar preço em ativo podre. Agora, já se sabe que será feito por um leilão de preço mínimo, em que os fundos, formados nesta parceria público-privada, vão comprar os papéis, em parte com dinheiro público. O mesmo plano, que não fez sucesso há seis semanas, encantou o mercado ontem, por ter explicado os mecanismos, e fez subir as bolsas.
Mesmo assim, as dúvidas continuam, como explicou a economista Monica de Bolle, da Galanto Consultoria. Ela acha que o plano corre dois sérios riscos: o primeiro é partir do pressuposto que os ativos podres ainda têm algum valor; o segundo é achar que os próprios bancos vão pôr seus ativos podres em leilão, explicitando a fragilidade em que estão. Monica lembra ainda que esta crise se arrasta há um ano e que tanto tempo assim tem um efeito demolidor sobre os ativos de um banco.
- Os bancos possuem ativos podres que, de fato, não valem nada, mas também possuem ativos podres que valem um pouquinho. O banqueiro será estimulado a pôr à venda os que têm valor, porque assim o banco ganha um pouco e as ações se valorizam.
O que o governo Obama está dizendo é que, mesmo num momento de descrédito das instituições financeiras, o caminho escolhido é o de trabalhar com elas para que seja possível realizar um projeto de solução. Tudo bem, se houvesse algum tipo de punição para os administradores responsáveis por decisões que arruinaram os bancos, as economias das pessoas, a economia global. Mas, pelo contrário, o que há é distribuição de bônus para quem quebrou bancos.
O anúncio de ontem, que animou as bolsas, empilha o que foi feito nas últimas semanas e dá os contornos da ideia de fazer uma parceria público-privada para comprar os ativos podres.
O Tesouro disse que no mês passado aumentou 30% o refinanciamento de hipotecas através de um dos programas, que é o de ajudar os mutuários que sempre foram bons pagadores - e que tiveram dificuldade para a elevação dos juros cobrados pelos bancos - a refinanciar suas hipotecas a custos menores.
Existem algumas pequenas melhoras pontuais, mas o grande problema continua sendo o que fazer para remover o lixo tóxico dos ativos dos bancos. Para que o plano funcione, o Tesouro diz que vai produzir competição entre instituições pela compra dos ativos podres, através dos leilões, para assim definir o preço desses ativos e evitar que o contribuinte pague excessivamente por eles.
A MB Associados lembra que o número de bancos quebrados nesta crise é infinitamente menor do que em outras. Na atual, apenas 30 bancos quebraram, o que no mercado pulverizado americano dá menos de 0,4% das instituições financeiras. Na crise das "savings & loans" (instituições de poupança e empréstimo), na década de 80, quebraram sete mil instituições (28%). Na crise de 29, dos 24 mil bancos, nove mil quebraram (36,5%). O economista Sérgio Vale acha que mesmo sendo difícil banco grande quebrar, depois do Lehman Brothers, instituições pequenas podem ainda falir, prejudicando as pequenas empresas. Sobre o plano de ontem, ele acha que a euforia pode ser passageira.
- A crise não acaba agora. A euforia de hoje é típica de quando sai um plano desse porte. Há dúvidas sobre o operacional do plano e o mercado não está se atendo a isso. As dúvidas sobre a implantação e a separação de ativos podem deixar o mercado volátil ainda.
É um risco político e financeiro transferir recursos dos contribuintes para os bancos mantendo os mesmos administradores e beneficiando os controladores, que podem produzir novos escândalos, como o da AIG.
Monica de Bolle, que trabalhou no FMI, na época em que Timothy Geithner trabalhava lá, diz que o Fundo já estudou crises bancárias pelo mundo inteiro. Há um cardápio normalmente seguido nestes casos. A melhor solução, para ela, seria a estatização parcial e temporária dos bancos, com a criação do banco com os ativos podres, o bad bank.
- Neste caso, remove-se a diretoria do banco para implantar uma nova estrutura administrativa, que vai, de fato, limpar o balanço.
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