FOLHA DE SP - 19/01
Quem está com a razão, os que dizem que o planeta está esquentando ou os que dizem que está esfriando?
Eu, que nasci numa cidade tropical, que ali me criei a uma temperatura média de 27 a 30 graus Celsius --isso nos períodos mais amenos--, não é que um dia me encontrei na cidade de Moscou enfrentando uma temperatura de dez graus abaixo de zero? Avalia só como me sentia ali eu que, no inverno carioca, se o frio chegasse a 16 graus, pensava que ia virar picolé. É nisso que dá se meter em política.
Confesso que quase pensei isso, quando me vi metido em ceroulas de lã, calças, suéter, cachecol, paletó e capote, que pesavam muitos quilos. Isso sem falar na "chapka" --aquela touca de lã que desabotoa e protege o rosto quando o vento frio se torna insuportável. E os lábios? Se você os deixar expostos, racham.
Lembrei disso na semana passada, quando vi na televisão as cidades norte-americanas soterradas sob a neve. A televisão mostrou cidadãos apreensivos, temendo que a temperatura baixasse ainda mais. Já estava, em alguns lugares, por volta de 50 graus abaixo de zero. É temperatura da Sibéria, pensei comigo.
Enquanto isso, no Brasil, estávamos sobrevivendo a uma sensação térmica de 50 graus acima de zero. É impossível não perguntar o que ocorre com o nosso planeta. No final das contas, quem está com a razão, os que dizem que o planeta está esquentando ou os que dizem que ele está esfriando? Quero achar que está esfriando, mas, tendo que tomar um banho a cada meia hora, fica difícil acreditar nisso. A verdade é que nesse assunto particular nem os cientistas se entendem.
Querendo ou não, a memória insistia em me levar para Moscou, onde, naquele ano de 1970, o inverno chegava. Minha preocupação diminuiu quando o chefe de nosso coletivo informou que íamos receber roupas especiais para enfrentar o frio do inverno russo.
Mas minha tranquilidade durou pouco. Antes de dormir, imaginava o futuro que me esperava naquela cidade que nada tinha a ver com minha origem tropical.
Quando o inverno chegou para valer, encontrou-me metido nas ceroulas de lã, na camiseta de lã, nas calças de lã, no suéter, no paletó, no capote grosso e pesado, tão pesado que, se tivesse que andar mais de uma quadra, morreria de cansaço. De qualquer modo, antes cansado do que morto.
A sorte é que passava o dia todo na escola do partido, escutando a lição dos professores ou conversando com os companheiros na lanchonete. A última coisa que eu queria era sair à rua, a não ser quando as aulas terminavam e era já noite, porque, no inverno, ali, anoitece às três da tarde.
No percurso da escola à "abchejite" (uma espécie de pensão de estudantes), se estivesse ventando então, era barra pesada. Meu nariz esfriava tanto que tinha a impressão de que, se desse um peteleco nele, quebrava, caía no chão. Claro que um comunista está no mundo para o que der e vier, razão pela qual evitava formular a pergunta que de vez em quando assomava à mente: que diabo vim eu fazer nesta cidade gelada? Só parei de perguntar quando conheci uma russa de olhos azul-violeta, linda como um sonho, e que só nasce em cidades geladas como Moscou.
Pois bem, e não é que inventaram de nos levar a um passeio em Leningrado, ainda mais frio que Moscou?
Ali topamos com uma temperatura de 30 graus abaixo de zero, o que nos foi anunciado quando o trem se aproximava da cidade, ao amanhecer. À noite, iríamos ao teatro Bolshoi para assistir ao balé famoso no mundo inteiro.
Ao sairmos do hotel, fomos advertidos de que não devíamos fumar na rua. Estranhei, mas a tradutora explicou: "Com 39 graus abaixo de zero, se você puxa o ar frio pela boca, ganha uma pneumonia". Apaguei o cigarro.
Mas ao chegarmos ao teatro, não havia onde estacionar, tivemos que sair do carro e correr uns 50 metros até a entrada, o suficiente para nos congelarmos. Quando entrei no hall, meu paletó parecia uma placa de gelo; se batesse nele, partiria em pedaços, escrevo eu, agora, no Rio de Janeiro, suando em bicas.