Política
Geografia Agrária: perspectivas no início do século XXI
No texto Geografia Agrária: perspectivas no início do século XXI, Ariovaldo Umbelino de Oliveira defende inicialmente a necessidade de abrir a discussão sobre as múltiplas dimensões que envolvem as análises sobre o campo, o que significaria mergulhar no debate político, ideológico e teórico. Segundo o autor o debate e o confronto de ideias são função da produção acadêmica e da reflexão intelectual.
Para o autor as alterações recentes na configuração territorial do mundo e do Brasil, especialmente, nas duas últimas décadas do século XX, revelaram que o mundo, assim como o Brasil, transformaram-se. O capitalismo monopolista teria adquirido novos padrões de acumulação o que muitos chamaram de modernidade, pós-modernidade, etc. Viveríamos, portanto, em uma nova etapa da história.
Para Ariovaldo, estamos todos inseridos no turbilhão da modernidade, sendo que alguns engajam-se no establishment, fazendo da ciência instrumento de ascensão social e envolvimento político; e outros, criticam-no, procurando colocar o conhecimento científico a serviço da transformação e da justiça social. No entanto, o importante seria, através do debate, fazer as necessárias reflexões sobre a práxis e dar conta da utopia, para pensá-la como instrumento que contribua com a construção da liberdade, da autonomia e do compromisso social no interior da prática universitária.
Segundo Ariovaldo, a geografia moderna teria nascido no século XIX, sob a égide do debate filosófico entre o positivismo, o historicismo e a dialética. Essas três correntes de pensamento estariam nas raízes do pensamento geográfico moderno. O autor estaria assumindo uma posição crítica em relação a autores que tratam deste período da historia da geografia, classificando-o como Geografia Tradicional. Para Ariovaldo, esta expressão não ajudaria a revelar a matriz historicista da geografia, e não abriria a possibilidade para compreensão do importante debate entre o materialismo e o idealismo nas ciências humanas. Segundo o autor esse debate geografizado, retiraria a discussão do campo da filosofia, remeteria à origem da geografia, exclusivamente ao positivismo, e continuaria desconhecendo a possibilidade de uma terceira raiz do pensamento geográfico influenciada pela dialética.
Para Ariovaldo, o positivismo que teve em Auguste Comte seu principal representante, seria um sistema coerente e operacional que entende que a sociedade seria regida por leis naturais, e por conta disso, poderia ela ser epistemologicamente assimilada pela natureza e ser estudada pelos mesmos métodos das ciências naturais, além do que, as ciências da sociedade, deveriam limitar-se à observação e à explicação causal dos fenômenos, de forma objetiva, neutra e livre de julgamentos de valor ou ideologias.
A ideia de uma ciência axiologicamente neutra não seria exclusividade do positivismo, ela apareceria mesmo no historicismo, e até no marxismo. O movimento neopositivista na geografia, representado pelo empirismo lógico, teria mantido praticamente intactos os postulados básicos do positivismo, sobretudo o da objetividade/neutralidade científica. Sendo assim, a história do pensamento geográfico na Geografia Agrária, não teria sido em hipótese alguma diferente da influencia dessa corrente, sobretudo na sua versão atual, a teórico-quantitativista.
O historicismo segundo Ariovaldo, seria uma escola fundada na Alemanha que teve como um de seus principais expoentes, Wilhelm Dilthey. Nascida no interior do idealismo a escola historicista defenderia a autonomia do estatuto científico das ciências humanas, admitindo que todo fenômeno cultural, social e político, é histórico; que existem diferenças fundamentais entre fatos naturais e fatos históricos; e que não somente o objeto da pesquisa está imerso na história, mas também o próprio pesquisador. O historicismo estaria na raiz filosófica daquilo que os geógrafos chamam de possibilismo. Além do que também a discussão sobre região na geografia teria que passar necessariamente pelo historicismo. A história do pensamento na Geografia Agrária também teria sido fortemente influenciada por esta corrente de pensamento.
O autor menciona que ocorre um avanço da fenomenologia na geografia, e que hoje, a maior parte dos trabalhos produzidos em geografia seriam influenciados por esta corrente, e também pelo neo-historicismo, como por exemplo, as pesquisas sobre percepção e modo de vida das populações camponesas.
Segundo Ariovaldo, a dialética como corrente filosófica na geografia seria uma raiz propositadamente esquecida. Nascida no século XIX das obras dos anarquistas Eliseé Reclus e Piotr Kropotkin, contemporâneos de Marx, discutiram profundamente as concepções de Hegel e a transformação da sociedade capitalista. Esse debate seria retomado apenas no final da década de 1930 na França por um grupo de intelectuais franceses, dentre eles Pierre George e Yves Lacoste.
Para Ariovaldo, a dialética teria sido trazida pela influência marxista, e como corrente na Geografia Agrária estaria na base de um conjunto de trabalhos de geógrafos brasileiros como Orlando Valverde e Manuel Correia de Andrade. Essa influência seria marcada por princípios como o condicionamento histórico e social do pensamento. Com o marxismo teria iniciado o desmascaramento do discurso de neutralidade e objetividade presente no positivismo e no empirismo lógico, e mesmo no historicismo. Entretanto, segundo Ariovaldo, na história do marxismo, diferentes autores não escaparam da influência positivista, historicista ou mesmo racionalista, o que teria desenvolvido de um lado um marxismo positivista e de outro um historicista. A Geografia e a Geografia Agrária teriam sido influenciadas por essas concepções.
Segundo Ariovaldo, o estudo da agricultura brasileira tem sido feito por muitos autores que expressam diferentes vertentes do marxismo. Uma primeira vertente inclui aqueles que defendem a ideia de que no Brasil houve feudalismo ou mesmo relações semifeudais de produção, e que por conta disso advogam que seria preciso acabar com essas relações e ampliar o trabalho assalariado no campo. Segundo eles a luta dos camponeses contra o latifúndio exprimiria o avanço da sociedade na extinção do feudalismo, e a luta pela reforma agrária seria um instrumento que faria avançar o capitalismo no campo. Para estes autores o capitalismo estaria penetrando no campo. Dentre os vários autores poderíamos destacar Nelson Werneck Sodré e Orlando Valverde.
Uma segunda vertente defende a tese de que o campo brasileiro já está se desenvolvendo do ponto de vista capitalista, e que os camponeses irão desaparecer. Segundo esta vertente os camponeses ao tentarem produzir para o mercado se endividariam, e acabariam indo a falência tendo de vender suas terras para pagar suas dívidas, ou entregando-as aos bancos, tornando-se proletários. A maior parte dos trabalhos produzidos em geografia agrária teriam por base esta concepção. Dentre os principais pensadores dela estão Marx, Lênin e no Brasil poderíamos destacar José Graziano da Silva e José Eli da Veiga.
Ariovaldo afirma que para essas duas vertentes, na sociedade capitalista avançada não teria lugar histórico para os camponeses no futuro da sociedade. Segundo ele, isso se daria porque esses autores pensam a sociedade capitalista como sendo composta apenas por duas classes sociais, a burguesia e o proletariado, e por contam disso muitos autores e mesmo partidos políticos não assumiriam a defesa dos camponeses. Para Ariovaldo esses autores teriam esquecido uma frase escrita por Marx em O capital, onde o filósofo alemão defende a existência de três classes sociais, a burguesia, o proletariado e os proprietários de terra, onde entrariam os camponeses.
Para Ariovaldo, ou entende-se a questão no interior do processo de desenvolvimento do capitalismo no campo, ou então continuar-se-á a ver muitos autores afirmarem que os camponeses estão desaparecendo. Segundo ele, na realidade, o que ocorre é que esses autores têm uma concepção teórica que deriva de uma concepção ideológica de transformação da sociedade capitalista, o que levaria a uma interpretação equivocada da realidade.
Ariovaldo afirma fazer parte de uma terceira vertente da geografia agrária. Segundo o autor, o estudo da agricultura brasileira deve ser feito levando em conta que o processo de desenvolvimento do capitalismo no território brasileiro é contraditório e combinado, ou seja, que ao mesmo tempo em que avança reproduzindo relações especificamente capitalistas, implantando o assalariamento, como é o caso dos bóias-fria, por outro lado, o capitalismo produz igual e contraditoriamente relações não-capitalistas, como é o caso do trabalho familiar típico das relações camponesas. Entre os pensadores desta vertente podemos destacar Rosa Luxemburgo e José de Souza Martins no Brasil.
Por fim, Ariovaldo enumera um grande número de trabalhos acadêmicos, dissertações e teses, feitas por orientandos seus que segundo ele são fiéis aos princípios de liberdade, autonomia e compromisso social, cada um ao seu modo criando novos recortes no interior dessa já clássica concepção de entender a recriação camponesa em meio ao capitalismo.
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