Governo de Esquerda
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Governo de Esquerda




Há duas semanas, escrevi neste mesmo espaço que o Governo de Passos Coelho acabará por cair a curto/médio prazo. Tendo entrado numa fase descendente em que a sua demissão é já pedida abertamente por cada vez mais sectores, a única dúvida é se dura até à discussão do orçamento no próximo ano ou se cai antes disso. Eis então que surge naturalmente a grande questão: e quando este Governo cair, o que se segue? Uma ida a eleições e um novo Governo PS? Será esta a mudança que o país procura, capaz de inverter o atual panorama? Tal como é pouco provável que o atual Executivo sobreviva mais de um ano, é também pouco provável que um Executivo PS consiga por si só inverter o rumo das coisas. Apesar das naturais e positivas evoluções no discurso, o partido de Seguro ainda não conseguiu clarificar o seu posicionamento quanto ao que fazer com o memorando assinado com a troika.

Um novo governo que procurasse de facto a mudança teria de ser capaz de denunciar o memorando, com o claro argumento de que este não faz parte da solução, mas sim do problema. Teria de ser capaz de assumir que, em momentos de crise, com maiores ou menores reformas, uma economia apenas pode ser relançada com investimento. Teria de defender afincadamente um amplo Estado Social, não como um luxo, mas sim com um direito inalienável, não relativizável. E teria também de ser capaz de defender intransigentemente a posição nacional no palco europeu, lado a lado com outras economias com problemas semelhantes, como a Grécia, a Espanha ou a Itália. Eis as bases de um Governo de Esquerda.

Como é sabido, a formação de um governo constituído por mais do que que uma força política à esquerda tem sido uma miragem em Portugal nestes quase 40 de democracia. Contrariamente ao que se passa à direita e já se passou no centro, nunca foram conseguidos entendimentos à esquerda suficientes para suportar uma maioria governamental. E parece que as predisposições não parecem ter-se alterado muito nos últimos tempos. Não vou naturalmente aqui apontar culpas, uma vez que os problemas são conhecidos e a minha militância enfraqueceria a objetividade da crítica. Vou sim olhar para a frente e sublinhar a urgência de uma solução destas ser construída nos tempos que correm.

Portugal está a arder, incendiado por uma política cujos resultados estão à vista. Este é o momento em que os cidadãos pedem que todas as possibilidades de alternativas sejam articuladas. Mantendo as portas abertas, procurando pontes e assentando em denominadores comuns, a esquerda portuguesa tem de mostrar que é capaz de se entender. Cada força política pode continuar a culpabilizar as restantes pela incapacidade de entendimento ou pode assumir o importante caminho de começar a procurar aliar-se com base em assuntos concretos. A experiência do Congresso Democrático das Alternativas, que conseguiu reunir no passado 5 e Outubro diversas sensibilidades da esquerda em torno de soluções, deve ser devidamente interiorizada. 

Vão existir eleições a curto/médio prazo e o eleitorado quer saber como o bloqueio histórico que existe à esquerda vai ser ultrapassado. Uma coisa parece certa: são cada vez mais os setores, dentro e fora dos partidos, mais ou menos alinhados, que manifestam abertamente o desejo de um Governo de Esquerda. É muito pouco provável que tal venha a acontecer e os sinais que vão surgindo não são os mais animadores, é um facto. Mas repito o que disse acima: o país está a arder. Resta saber se a esquerda, toda a esquerda, quer fazer alguma coisa a este respeito ou se prefere manter-se nos seus confortáveis posicionamentos de sempre.

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental
(Imagem: Futurity)



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