Possivelmente por estarmos no Carnaval, parece que ainda não se refletiu devidamente sobre o que significará a entrada da Guiné Equatorial na CPLP. Não é uma questão nova. Há muito que vinha sendo discutida, embora sempre rodeada de visões que variavam entre o gozo e a caráter incrédulo. Seria possível imaginar há alguns anos atrás que um Estado conhecido como uma das mais antigas ditaduras africanas, sem qualquer tradição de lingua portuguesa, pudesse agora ocupar o papel de país membro da CPLP? Duvido. Mas o que terá acontecido para que essa hipótese nem sequer ponderada esteja agora a concretizar-se?
Antes de mais, não são precisas grandes análises para explicar as conhecidas fragilidades de uma organização como a CPLP. Surge como um esforço meritório, sobretudo Português, de ativar um espaço de cooperação permanente entre um conjunto de países que, pelas raízes históricas comuns conhecidas, possuem uma grande proximidade cultural. E a CPLP tem dado passos importantes na aproximação dos seus membros nas mais diversas vertentes. Seja na saúde, na justiça, na educação e cultura, multiplicam-se as iniciativas de cooperação nestes domínios. No entanto, a ausência de instrumentos financeiros sólidos que permitam melhor materializar a referida cooperação, lado a lado com uma manifesta falta de suporte político, determinam que a CPLP fique muito aquém do seu potencial.
Sublinhadas as fragildades acima, mesmo assim torna-se impercetível a entrada da Guiné Equatorial na organização. Em primeiro lugar, pelo seu lamentável registo ditatorial. É uma das mais antigas ditaduras africanas, onde o Estado de Direito é uma miragem, sendo os julgamentos sumários e as prisões arbitrárias práticas corrente, segundo diversas organizações de defesa dos direitos humanos. É portanto um regime bem distante dos mínimos democráticos exigíveis, mesmo tendo em conta os complexos contextos africanos. Em segundo lugar, não consta que exista qualquer proximidade minimamente relevante da Guiné Equatorial relativamete à língua Portuguesa. Fala-se com certeza mais Português no Luxemburgo, França ou em alguns estados Americanos, do que se fala na Guiné Equatorial.
O que explica então este súbito abrir de braços da CPLP? Apesar de ter um território pequeno (semelhante ao Alentejo) e com poucos habitantes (650 mil), a Guiné Equatorial é o terceiro exportador de petróleo de África. Para além disso, possui também um subsolo rico em gás natural e outras riquezas. Ou seja, a aceitação da Guiné Equatorial na CPLP é sobretudo encarada como estratégica do ponto de vista económico-financeiro por parte dos restantes países membros.
A diplomacia e o relacionamento entre Estados é recheado deste tipo de hipocrisias institucionais, não valendo a pena ter ilusões a este respeito. Aliás, a entrevista que Rui Machete dá este Domingo ao Público até nos deixa tontos com tanta hipocrisia, tão grande é a desonestidade inteletual e a falta de coluna vertebral demonstrada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros.
De qualquer modo, apesar de ser naíve achar-se que este tipo de interesses estratégicos dos Estados poderiam passar ao lado deste tipo de decisão, importa também não nos deixarmos contentar com este tipo de obscurantismo. A integração de um país como a Guiné Equatorial na CPLP representa, em primeiro lugar, uma lamentável ignorância sobre o regime político que vigora no país. Por outro lado, e não menos importante, esta adesão pode também determinar que a CPLP saia ainda mais describilizada no panorama internacional, não sendo também de descurar o efeito corrosivo interno da referida opção.
Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental