Política
Histórias de Mário Lago
" Mário de muitos lagos, Mário da arte, Mário da política, Mário das forças vitais da revolução profunda... " Do “ 16 linhas cravadas”
Mario Lago“Em 1982 eu e João Nogueira participamos do projeto”Seis e meia”,fazendo temporada de uma semana no Teatro João Caetano.Esse poema(“Canção do não tempo de lua”) era um dos pontos altos do show.Finda a temporada era hora de relaxar os nervos que ficavam tensos cada vez que eu abria a boca para cantar.
Mas o Albino Pinheiro resolveu levar o show para a rua: 7h da noite, praça General Osório.Tremi na base e, antes de começar o espetáculo ,disse ao João Nogueira que não ia dizer o poema.
_Não vai dizer por que, professor?
_Já viu a zoeira que está na praça?É pessoal da feira desmontando as barracas, rapaziada voltando da praia, ônibus passando, a turma de pote cheio...Quem vai ter saco pra ouvir poesia?
_ Acho que você deve dizer. Garanto que o povo vai gostar.
_Não me arrisco não, velho! De jeito nenhum.
E começou o show. À medida que as músicas iam sendo apresentadas,o público cantava e até dançava.Cantei “Nada Além”, “Ai! Que Saudade da Amélia”.A cantoria foi geral e debaixo de palmas.
De repente a voz do João Nogueira soprou na minha nuca: _ Se não disser o poema eu arranco o microfone de sua mão, anuncio e aí você vai ser obrigado a recitar!...
O espetáculo não poderia parar para eu defender meu ponto de vista. Disse os primeiros versos morrendo de medo,disposto a fugir dali se alguém tossisse
Mas, o silêncio foi acontecendo, muita gente chegava perto do palco para ouvir melhor e ,quando o poema acabou os aplausos foram iguais aos que aconteciam no teatro.E, João Nogueira me disse,acrescentando às palavras uma ponta de superioridade:
_Você entende de comunismo, professor, mas quem entende de povo sou eu.
Canção do não tempo de lua(Mário Lago)
Amada não me censure, se sou de pouco falar
Nem se esse pouco que falo não faz você suspirar
É tempo de vida feia, de se morrer ou matar
De sonho cortado ao meio, de voz sem poder gritar
De pão que pra nós não chega, de noite sem se acabar
Por isso não me censure, se sou de pouco falar
Criança é bonito? É
Mulher é bonito? É
A lua é bonito? É
A rosa é bonito? É
Mas criança chega a homem se a bomba quiser
A mulher só tem seu homem se a bomba quiser
Homem sonha e faz seu sonho se a bomba quiser
Não é tempo de ver lua nem tirar rosa do pé
Amada minha não chore se nunca falo de amor
Nem se meu beijo é salgado, que é beijo chorado em dor
É tempo de vida triste, de olhar o seu com pavor
De mão pro último gesto, de olhar pra última flor
De verde que era esperança trazer desgraça na cor
Por isso amada não chore se nunca falo de amor
Criança é bonito? É
Mulher é bonito? É
A Lua é bonito? É
A rosa é bonito? É
Mas criança chega a homem se a bomba quiser
A mulher só tem seu homem se a bomba quiser
Homem sonha e faz seu sonho se a bomba quiser
Não é tempo de ver lua nem tirar rosa do pé
Amada não vá embora se eu trouxe desilusão
Se aumento sua tristeza, tão triste a minha canção
É tempo de fazer tempo, de pegar tempo na mão
De gente vindo no tempo em passeata ou procissão
No mesmo passo de sonho pra bomba dizendo ?não!?
Amada não vá embora, mudou a minha canção!
Criança é bonito? É
Mulher é bonito? É
A lua é bonito? É
A rosa é bonito? É
Pois criança vai ser homem porque a gente quer
A mulher vai ter seu homem porque a gente quer
Homem vai fazer seu sonho porque a gente quer
Vai ser tempo de ver lua e tirar rosa do pé
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