Hitler e nós - FLAVIO TAVARES
Política

Hitler e nós - FLAVIO TAVARES




ZERO HORA - 28/10

O presente está tão à vista - com "mensalões" e anões - e também tão sem resposta, que talvez só a lembrança do passado nos leve aos dias de hoje. Em 1945, aos 11 anos, ávido por conhecer uma época que me marcara desde a infância, da casa dos meus pais acompanhei o julgamento do Tribunal de Nüremberg, em que os chefes nazistas responderam pelos crimes da II Guerra Mundial. Jornais e revistas, rádios e noticiários de cinema mostravam os homens mais próximos a Hitler no banco dos réus, acusados e se defendendo. Hermann Goering (que organizara a Luftwaffe nazista) e dois ou três generais vestiam farda militar. Os demais, eram civis, como Rudolf Hess ("herdeiro" de Hitler), Albert Speer, ministro do Armamento, ou Alfried Krupp, "o rei do aço", que montou a máquina bélica alemã com trabalho escravo de 160 mil prisioneiros.

Eles constituíam o que hoje seria o "núcleo operacional" do horror que o NSDAP, o Partido dos Trabalhadores Alemães Nacionais-Socialistas, estruturou no poder. Quase todos foram condenados à morte pelo tribunal formado por Estados Unidos, Rússia Soviética, Inglaterra e França. Speer foi sentenciado a 20 anos e Hess a prisão perpétua. Krupp, a 12 anos, mas foi indultado pelos americanos em 1951 e recebeu de volta as indústrias confiscadas. Os interesses da Guerra Fria valiam mais que o crime de levar 50 milhões de civis à morte...

Os responsáveis diretos pelos campos de extermínio "sumiram" após a derrota e não foram julgados. Adolf Eichmann, mentor da matança dos judeus na Europa, por exemplo, só foi julgado 15 anos depois, em Israel. Até hoje, descobrem-se criminosos de guerra nazistas, já anciãos mas sempre julgados e condenados.

Mas o criminoso-mor, chefe supremo do "núcleo político", guia e condutor do fanatismo que jogou a culta Alemanha no crime e fez do assassinato "uma virtude", não foi réu. Sua figura estava por trás de cada depoimento ou prova, e até nos esboços de defesa, mas raras vezes seu nome despontou no juízo. Ali se julgava a máquina da morte como um todo, com peças concatenadas, cada qual com sua função, a partir das necessidades do Führer (o chefe) para levar adiante o delírio de governar por um milênio, "limpando a Europa e o mundo da escória de judeus, ciganos, comunistas, homossexuais e deficientes".

Todos os réus trabalhavam para o chefe, e por incitação dele, mas o chefe não estava entre os réus. Adolf Hitler suicidou-se quando os soviéticos entraram em Berlim, junto com a mulher, Eva Braun. E os tribunais não julgam os mortos.

Só por isto, ele e o ministro da propaganda, Josef Goebbels (que envenenou os seis filhos e se matou com a mulher), estiveram ausentes do julgamento em que todos os crimes possíveis surgiram encadeados entre si, em nome da defesa e estabilidade do regime. Ou da governabilidade, como ora se diz. Se vivesse, Hitler encabeçaria os réus e, em sua visão de poder absoluto, iria orgulhar-se disso. Sem ele, julgaram o que partira dele. Os réus eram apenas as cadeias da engrenagem que Hitler fez funcionar a partir do absurdo de que podia tudo para "poder governar". Até o crime clandestino apoiado no poder do Estado.

Só a morte o livrou de ser condenado à morte!


P.S. - Neste domingo, às 20h, autografo na Feira do livro a segunda reimpressão de 1961 - O Golpe Derrotado (com pequenos acréscimos sobre a anterior) e a nova edição de bolso de Memórias do Esquecimento - Os segredos dos porões da ditadura, ambos pela L&PM.

Antes, às 17h30min, no Memorial do Rio Grande do Sul, faço a introdução da palestra do professor japonês Tomio Kikuchi sobre "a memória como base da potência cerebral".



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