Horas de Verão, de Olivier Assayas
Política

Horas de Verão, de Olivier Assayas


PEGAR OU LARGAR

No lindo e sagaz Horas de Verão, três irmãos têm de decidir o 
que fazer com o legado artístico, material e espiritual de sua mãe


Isabela Boscov

Divulgação
ANTES DO FIM
Renier, Juliette e Berling como os irmãos: às voltas com a linha tênue que distingue a herança do ônus - um problema deles, e de toda a Europa

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No início de Horas de Verão (L'Heure d'Été, França, 2008), desde sexta-feira em cartaz, Hélène reúne a família em sua casa no campo para celebrar seus 75 anos. Crianças e adolescentes correm para lá e para cá; Éloïse, a velha criada, distribui broncas e põe o assado no forno; e Hélène recebe com impaciência os presentes dos filhos e menciona com constância, de forma oblíqua ou direta, o seu próprio fim. Interpretada pela aprumada Edith Scob, Hélène não é bem o que se imagina de uma matriarca no fim dos seus dias. Mas em poucos meses ela estará morta, vencida pela depressão que o diretor Olivier Assayas indica nessa abertura: a grande missão da vida de Hélène foi preservar a obra do tio, um pintor famoso; agora não lhe resta mais nada a não ser se exasperar com a ideia de um futuro que talvez desfaça todo o seu trabalho. De fato, com sua morte, a questão da herança se torna premente para os três filhos. Trata-se de um legado rico, composto da casa e de inúmeras obras de arte e de mobiliário. Mas ele representa também um patrimônio cultural e familiar. Em reuniões travadas com respeito e afeto, mas das quais todos saem se sentindo meio mesquinhos, o irmão executivo que mora na China (Jérémie Renier) e a irmã designer que vive em Nova York (Juliette Binoche) serão o voto vitorioso: tudo será vendido. E Frédéric (Charles Berling), o mais velho, que permanece na França e desejaria manter intacta a herança, terá de aceitar a derrota.

Trata-se de um filme lindo, em muitos sentidos. As cenas no campo são compostas como telas, com senso, cores e ritmos pictóricos: ainda que se desenrolem no presente, pertencem a um mundo que já se foi. Por contraste, nos encontros dos irmãos a câmera mal tem tempo de se fixar num enquadramento; tirado do contexto que sempre habitou, o legado de Hélène se reduz a um punhado de objetos que valem dinheiro e dos quais é preciso dispor. Ou, como no caso de Frédéric, vira um conjunto de memórias idealizadas que não admitem a intromissão da realidade. Assayas, um diretor de refinamento intelectual raro, traça assim o argumento de que, às vezes, preservar não é nem mais nem menos equivocado do que dispersar.

A herança que uma geração deixa para a seguinte - e que pode ser recebida como um legado ou como um ônus - é um tema caro ao cinema feito na Europa, onde a tensão entre manter e romper é um dado cultural que está sempre em jogo. Quando a filha de Frédéric vai parar na delegacia por fumar maconha e furtar de uma loja, a impressão que se tem é que essa dissolução de um modo de vida acaba de se completar irrevogavelmente. Mas aí a menina vai se despedir da casa no campo em uma festa com os amigos e, escondida deles, chora: esse passado não vai fazer parte de seu futuro, como a avó lhe prometera. Alguém, enfim, aceitou herdar o que Hélène deixou, e da maneira como ela imaginou fazê-lo. Tudo muda, sugere Assayas - mas algo sempre perdura.

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