O exame que veio do frio
Um teste criado na Noruega é capaz de detectar
a atividade do HPV e, dessa forma, evitar os
tratamentos mais agressivos e dolorosos
Naiara Magalhães
Sonja Pacho/Corbis/Latinstock |
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A infecção causada pelo vírus papiloma humano (HPV) ocupa o primeiro lugar no ranking das doenças virais sexualmente transmissíveis. Dos cerca de 100 tipos de HPV, cinco estão associados à quase totalidade dos casos de câncer de colo de útero – o segundo mais comum entre as brasileiras e o quarto que mais mata no país. Quando uma mulher recebe diagnóstico positivo para um HPV de alto risco, a conduta mais comum entre os ginecologistas brasileiros é submetê-la a tratamentos invasivos, como a cauterização ou a retirada cirúrgica da região lesionada. Além de dolorosos, tais procedimentos podem deixar sequelas que comprometem a vida sexual e a capacidade reprodutiva da paciente. A prevenção ao câncer de colo de útero ocasionado por HPV fica mais simples com um exame recém-chegado ao Brasil que detecta a atividade do vírus. Por meio dele, é possível identificar entre as pacientes contaminadas quais estão sob alto risco de desenvolver um tumor maligno. De acordo com os levantamentos mais recentes, em 70% das infecções o vírus pode permanecer inativo. Assim, nessas situações, as mulheres podem optar por acompanhar o comportamento do HPV e só agir se ele se manifestar.
Desenvolvido na Noruega no início dos anos 2000 e usado atualmente em vinte países, o novo exame analisa a presença do RNA-mensageiro (RNAm) das proteínas E6 e E7 nas células do colo uterino. O RNAm é a substância responsável por decodificar as informações do DNA de uma célula na forma de proteínas – a E6 e a E7, no caso do câncer de colo de útero. Altamente oncogênicas, tais proteínas destroem o sistema de defesa celular. Para evitar a replicação de mutações genéticas indesejáveis, as células defeituosas produzidas pelo organismo são induzidas ao suicídio – ou apoptose, no jargão científico. A E6 e a E7 impedem essa morte programada, facilitando a multiplicação acelerada de células doentes e, consequentemente, induzindo ao câncer. Com a análise da atividade do HPV, o exame norueguês é 3,5 vezes mais preciso para indicar o risco de câncer do que os testes tradicionais, capazes de identificar apenas a presença e o tipo de vírus.
A probabilidade de um HPV inativo entrar em ação é baixa. Só ocorre quando a mulher apresenta queda imunológica expressiva ou é acometida por outras infecções. Além disso, trata-se de um vírus de evolução lenta: leva anos para deflagrar um tumor maligno. Tais características, associadas ao novo exame, permitem a adoção de uma conduta conhecida como vigilância ativa. Ela significa fazer análises a cada meio ano. Há três meses, a bióloga Joana, de 40 anos, descobriu ser portadora do HPV 16, o tipo de vírus causador de 60% dos casos de câncer uterino. Como o resultado do teste norueguês foi negativo – ou seja, o HPV estava quieto –, Joana optou por acompanhar o comportamento do vírus. "Fiquei mais tranquila por não ter de me submeter a uma cirurgia para a retirada da parte do útero infectada", diz Joana. Durante a vigilância ativa, as pacientes são submetidas, segundo o ginecologista Ismael Guerreiro Silva, a tratamentos medicamentosos para fortalecer o sistema imunológico e instadas a adotar um estilo de vida mais saudável.
A presença do vírus, na maioria das vezes, é flagrada pelo exame ginecológico mais popular, o papanicolau. No início da contaminação, o HPV, mesmo inativo, provoca alterações na estrutura das células do colo uterino, facilmente identificadas no microscópio do patologista. Em uso desde 2006, a vacina contra o vírus apresenta uma eficácia de 95% no combate a 70% dos casos de câncer de colo de útero. Há dois tipos de vacina. Uma delas previne contra as duas variedades de HPV associadas à maioria dos tumores. A outra protege ainda contra os dois tipos de HPV que mais comumente levam à formação de verrugas genitais, lesões que aumentam o risco de outras infecções sexualmente transmissíveis. A rigor, a vacina é indicada para mulheres entre 9 e 26 anos, a faixa etária analisada nos estudos clínicos. No dia a dia dos consultórios, no entanto, os médicos recomendam que a imunização seja feita pouco antes do início da vida sexual, quando as meninas ainda não se expuseram a nenhum tipo de HPV. Alguns aplicam a vacina até em quarentonas. Se administradas corretamente (três doses, no período de seis meses), as pesquisas indicam que a prevenção é de, em média, sete anos.