Igualdade, mas pouco
Política

Igualdade, mas pouco




Numa das suas crónicas publicadas na última página neste jornal, Estevão Gago da Câmara apresenta-nos no passado sábado um conjunto de ideias que vale a pena esmiuçar. Começa por associar a organização da marcha LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e Transgénero) em Ponta Delgada à crise interna e consequente procura de protagonismo por parte do Bloco de Esquerda. Avança depois que “não há homossexual inteligente, sensato e de bom gosto que não se indigne com os espetáculos de exibicionismo e de mau gosto” que constituem as marchas LGBT um pouco por todo o mundo. Sustenta de seguida que todos, independentemente da sua orientação sexual, se devem indignar contra estes “carnavais fora do tempo”, uma vez que os mesmos acabam por ser eles mesmos uma fonte de discriminação.

No que à primeira teoria diz respeito, julgo que nem vale a pena tentar perceber de onde Estevão Gago da Câmara a tirou. Se o diz, é porque é com certeza a mais pura das verdades. Desengane-se portanto quem possa ter chegado a achar que tal iniciativa surge de cidadãos interessados em defender a igualdade de direitos e de apoiar a liberdade de orientação sexual na região. Nada disso. Tudo isto é obra daqueles oportunistas do Bloco do Esquerda.

Mas é sobre o suposto exibicionismo e mau gosto das marchas LGBT que mais gostaria de me pronunciar. Acho sempre interessantes e curiosos os conselhos que uma certa direita política emite sobre qualquer tipo de iniciativa LGBT. Em vez de dizer sem rodeios que não gosta das mesmas porque têm sobretudo reservas de fundo quanto à igualdade e liberdade no que à orientação sexual diz respeito, prefere sim considerar estas iniciativas contraproducentes devido ao exibicionismo a elas associado. No caso de Estevão Gago da Câmara, chega ao ponto de adivinhar o que um “homossexual inteligente, sensato e de bom gosto” pode achar sobre este tipo de acontecimentos. Comentários para quê?

O problema deste tipo de argumentário é que as suas inconsistências saltam à vista. Basta lembrar que, há pouco tempo atrás, considerava-se (e muitos ainda consideram) que a defesa do direito de igualdade no acesso ao casamento mais não era do que uma procura desenfreada de protagonismo por parte da comunidade LGBT. Há uns anos atrás, num antigamente não tão longínquo quanto isso, era também comum considerar-se que todos os que não escondiam a 100% a sua homossexualidade mais não eram do que exibicionistas desequilibrados. And so on.

A acusação de exibicionismo vinda da direita conservadora é, provavelmente, um dos pseudo-argumentos mais antigos contra a igualdade, seja na orientação sexual, cultural, étnica, de género, entre outras. As mulheres que antigamente começaram a usar calças e mini-saias também eram acusadas de exibicionistas, certo? Ultrapassada pelas circunstâncias, a referida direita até acaba por ceder e defender a igualdade, mas tudo devidamente enquadrado pelo “respeitinho”. Ou seja, já não é contra a igualdade, apenas defende que a mesma seja assumida mantendo intocável a normalidade e a paz social existente. O importante é que tal igualdade não se faça notar muito.

O pequeno problema de tal posicionamento é que não consegue descolar da asneira de pensar que existem cidadãos mais iguais do que outros, que têm mais direito a assumir e manifestar o que são do que outros. Um pequeno problema que coloca em causa a cultura democrática da tal direita conservadora, sempre tão preocupada em nos proteger dos exibicionismos que por aí andam. A Pride Azores é um pequeno grande passo para uma região mais aberta, tolerante e com espaço para todos. A iniciativa ainda não se realizou, mas todos aqueles que a estão a construir estão desde já de parabéns.

Artigo hoje publicado no Açoriano Oriental



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