Um estudo detalhado das reportagens proibidas em VEJA
durante a ditadura militar expõe a arbitrariedade da censura
CORTES EXPOSTOS |
Os censores da ditadura militar brasileira pareciam saber que seu trabalho era ilegítimo. Esforçavam-se por impedir que o público tomasse conhecimento das restrições impostas à imprensa. Em vários episódios de censura a VEJA, a partir de 1968 e por boa parte da década de 70, a revista tentou evidenciar que sofrera cortes, deixando trechos em branco no meio da página ou substituindo as partes cortadas por esdrúxulas figuras de diabinhos. As autoridades baixavam normas coibindo esses expedientes. Os embates entre censores e jornalistas estão documentados em Veja sob Censura – 1968-1976 (Jaboticaba; 352 páginas; 42 reais), da jornalista e historiadora Maria Fernanda Lopes Almeida.
O episódio mais emblemático da censura a VEJA se deu em dezembro de 1968, logo depois da promulgação do AI-5. O censor ficou satisfeito em saber que a revista dedicada ao tema não teria título na capa. A imagem, porém, era eloqüente: o presidente Costa e Silva aparecia sentado, sozinho, no Congresso que mandara fechar. O Exército determinou que a revista fosse recolhida das bancas. VEJA sofreu censura prévia – com um censor lendo tudo o que seria publicado – com mais rigor entre 1974 e 1976. Antes disso, o governo ditava listas de temas que não poderiam ser abordados. Para entender o impacto da censura na redação, Maria Fernanda entrevistou jornalistas que trabalharam em VEJA e o presidente da Editora Abril e editor da revista, Roberto Civita. Fez ainda uma extensa pesquisa no Departamento de Documentação da editora, recuperando textos proibidos parcial ou integralmente – o infame carimbo de "vetado" aparece nas laudas em que essas reportagens foram escritas. Dos 138 textos pesquisados por Maria Fernanda, 55 eram sobre política nacional – e 25 diziam respeito à própria censura. Houve textos que, mesmo não sendo proibidos na íntegra, tiveram a publicação inviabilizada pelos cortes drásticos. Foi assim em 1976 com o necrológio da estilista Zuzu Angel, conhecida por sua luta para descobrir o paradeiro do filho preso pela ditadura. Publicou-se apenas o título: "Zuzu Angel (1921-1976)". Até o general ditador do Chile teve declarações podadas. Em uma entrevista de 1974, Augusto Pinochet negava cinicamente a existência de presos políticos em seu país – mas o censor brasileiro não permitiu nenhuma referência ao tema. Veja sob Censura inclui episódios que se diriam cômicos. Na notícia do assassinato do cineasta italiano Pier Paolo Pasolini, em 1975, a expressão "relações orais" foi canetada. O jornalista trocou-a pelo sinônimo "felação", e o censor deixou passar. A burrice, como se vê, é da natureza da censura.