O Estado de S.Paulo - 16/09
A única certeza em relação à redução das tarifas de energia elétrica é de que não há certeza alguma. Tudo pode mudar até o dia 5 de fevereiro de 2013, quando os novos preços entrarem em vigor. Não há dúvida de que as tarifas vão cair, a dúvida é se os porcentuais serão mantidos ou alterados para baixo quando o governo e as empresas concessionárias confrontarem seus números divergentes de amortização e indenização dos ativos ou submetê-los ao julgamento do Congresso Nacional.
Surpresas e assustadas com as regras da Medida Provisória (MP) n.º 579, as empresas protestaram publicamente depois de verem suas ações na Bovespa sofrerem um verdadeiro massacre dos investidores - principalmente os estrangeiros -, o que as levou a uma inédita perda de R$ 21 bilhões em apenas dois dias. Nem nos tempos de apagão do governo FHC elas perderam tanto dinheiro em tão pouco tempo.
O tom foi dado pelo diretor financeiro da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), Luiz Fernando Rolla, que promete somar forças políticas no Congresso para alterar as regras da MP ou até recorrer à Justiça. Fazem coro com ele as geradoras Companhia Energética de São Paulo (Cesp) e Companhia Paranaense de Energia (Copel) e outras que operam linhas de transmissão. O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, tentou passar tranquilidade: "Temos uma base parlamentar sólida e ampla maioria no Congresso. Não permitiremos que uma medida tão importante para o País seja deformada". Porém, se essas concessionárias conseguirem reunir a unanimidade de deputados e senadores de seus Estados - São Paulo, Minas Gerais e Paraná - para alterar a medida provisória, o governo pode sofrer derrotas. O que não é difícil, em se tratando de uma questão de interesse dos Estados que eles representam em Brasília.
Pior ainda é se alguém resolver questionar na Justiça a inconstitucionalidade da MP. Em recente seminário na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), três ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) - Ellen Gracie, Nelson Jobim e Sidney Sanches - avisaram que o artigo 246 da Constituição federal proíbe a renovação dos contratos de concessão por meio de medida provisória, só por emenda constitucional.
Não se duvida da boa intenção da presidente Dilma Rousseff em aproveitar a renovação das concessões para reduzir o valor da conta de luz dos brasileiros e incentivar investimentos produtivos que usam eletricidade como insumo. Ela não fez como em outros momentos - inclusive no governo Lula, em 2004 -, quando os contratos foram prorrogados sem nenhum ônus para as concessionárias. Desta vez ela teve o cuidado de levar em conta o critério de amortização de ativos para reduzir o preço da energia. Ponto para o seu governo. Mas é preciso agir com transparência e equilíbrio para evitar problemas futuros.
É preocupante, por exemplo, partir justamente do presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Carlos Faria, o maior interessado em energia barata, um intrigante alerta: "Nós, consumidores, queremos o menor valor possível da tarifa, mas também não queremos um país estático. A tarifa precisa permitir que as empresas elétricas sigam investindo", advertiu Faria, ao criticar a falta de transparência nos cálculos do governo que definiram os novos preços. Se em futuro próximo as elétricas tiverem seu faturamento encolhido e perderem capacidade de investir em novas usinas e linhas de transmissão, a escassez de energia poderá comprometer a expansão de toda a economia. Não parece ser este o propósito da presidente Dilma.
Um enigma. Por isso não dá para entender por que o governo não negociou com as concessionárias os valores de amortizações e indenizações de ativos e o cálculo das novas tarifas, antes de anunciar as mudanças. Seria simplesmente antecipar o que agora ele promete fazer nos próximos dois meses. E é o que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) faz corriqueiramente com as empresas, a cada aumento da tarifa.
Não há nenhuma razão justificável para manter o assunto em segredo, como fez o governo. Afinal, há mais de três anos o setor elétrico discute o que fazer com as concessões que vencem entre 2015 e 2017, cansou-se de pedir uma decisão do governo para evitar a paralisação dos investimentos e a Cesp cancelou leilão de privatização. O setor todo ficou à espera de uma definição e o governo, calado. Há alguns meses, limitou-se a anunciar que a tendência seria prorrogar os contratos de concessão. E nada mais disse.
A decisão chegou agora, mas sem discussão. Simplesmente um grupo seleto de funcionários se trancou numa sala com a empresa de consultoria PRS, do engenheiro Mario Veiga (por sinal um consultor de empresas elétricas), produziu números e cálculos sem ouvir as concessionárias interessadas e divulgou o pacote pronto e acabado na última terça-feira.
Como em todo setor empresarial, também no de energia os empresários costumam chorar mais do que a conta. Mas, no caso de uma negociação, se o governo duvidasse dos números que eles apresentassem, o lógico seria submetê-los a uma auditoria independente. O inexplicável é manter um dispensável e improdutivo sigilo.
Se o governo examinasse o assunto com calma e, com o tempo de que dispunha, convocasse as empresas, anunciasse com transparência ao País o que discutiam e chegasse a um entendimento, teria formulado uma medida provisória sem questionamentos e evitado o estresse de ver desabar o preço das ações na Bovespa - o que acabou contaminando outros setores regulados pelo governo - numa semana de boas notícias na Europa e nos Estados Unidos e de alta do mercado, algo tão raro nos últimos tempos.
Teria, também, evitado avaliações apressadas que tanto prejudicam a imagem externa do País. Como a feita pelo jornal inglês Financial Times, ao comentar que o Brasil acabara de "rasgar e reescrever contratos".
O governo levou três anos para buscar uma solução e agora dá às empresas um prazo curtíssimo para nela se encaixarem. O decreto detalhando as regras da MP n.º 579 será divulgado amanhã. Até 15 de outubro, elas terão de manifestar interesse ou não pela renovação. E 4 de dezembro é o prazo-limite para elas assinarem os aditivos aos contratos de concessão.
Fica no ar a pergunta: se o governo demorou tanto para decidir, qual é a razão da pressa agora? Em se tratando de um período de eleições e de um recesso branco no Congresso, seria para evitar o debate e mudanças na MP?