Irrealismo tucano - Míriam Leitão: O Globo
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Irrealismo tucano - Míriam Leitão: O Globo



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O que mais faltou em São Paulo no ano passado foi água. Mas, pelo IPCA, a tarifa de água e esgoto na região metropolitana caiu 27%. Foi a única capital do Brasil em que houve redução de preço, mas foi tão forte que fez o índice nacional fechar em menos 2,69%. Isso é irrealismo tarifário por demagogia eleitoreira. Ninguém gosta de inflação, mas o que é escasso não pode ter queda de preço. Elementar.

O governo de São Paulo passou a semana inteira batendo cabeça sobre o que é ou deixa de ser a falta de água no estado. O governador admitiu racionamento, depois disse que não era. A Sabesp falou em rodízio de água, depois disse que não era exatamente isso. O contorcionismo tucano paulista é a cara do nega-admite da crise energética petista de Brasília.

Faltou aos dois o mesmo elemento. Não é de água que falo. O que faltou em São Paulo e Brasília é coragem de dizer ao eleitor, antes das urnas, que os administradores haviam errado e que havia uma crise. As estatísticas de inflação têm a mesma marca: o preço da água caiu em São Paulo no ano passado; o preço da energia caiu 20% no Brasil em 2013.

Preço em queda estimula o consumo. Essa é uma velha e irrevogável lei econômica. Preço é o sinal mais eloquente que se dá ao mercado. Em Brasília, o incentivo ao consumo de energia aconteceu exatamente quando a situação hídrica começou a piorar. Em São Paulo, o governo passou um ano dizendo que não poderia elevar o preço para os gastadores de água porque isso daria problema na Justiça.

Tanto o ex-secretário de Recursos Hídricos Mauro Arce quanto o governador do estado Geraldo Alckmin me disseram em entrevistas na Globonews que não seria possível impor uma taxa punitiva sobre quem consome mais. Claro que haveria uma briga judicial, como houve, mas o bom senso manda que os administradores de uma crise distribuam bônus e ônus. Poderia ter havido o prêmio da redução da tarifa para quem poupa, desde que houvesse a alta para quem consumia muito o bem escasso. Os dois sinais são fundamentais.

Esse bônus para quem economizou se reflete nas tarifas de água e esgoto apuradas pelo IBGE nas 11 maiores regiões metropolitanas do país. Nas outras dez capitais, a tarifa de água e esgoto ficou entre 6% e 8% de alta. Só em São Paulo despencou. O consumidor paulista não sentiu no bolso a ameaça de escassez da água.

São Paulo ficou numa situação irreal. O consumidor residencial passou por interrupções de fornecimento não oficiais e inesperadas. E poderia até ter se perguntado por que pagaria mais por um serviço que era prestado de forma tão intermitente. Esse racionamento, de fato, mostrado pela imprensa diariamente, foi negado insistentemente durante a campanha eleitoral pelo governador Alckmin. Agora a situação ficou crítica e é mais difícil comunicar e executar as políticas emergenciais necessárias.

Essa crise no estado não começou evidentemente na falta de chuvas do ano passado. Tem raízes mais antigas no descuido dos rios, na falta de gestão estratégica dos recursos hídricos, na omissão ao combate ao desperdício. Como o PSDB governa São Paulo há 20 anos, é natural que se cobre do governo tucano a responsabilidade da crise.

A falta de água está ameaçando outros estados brasileiros, mas ela é mais aguda no maior centro urbano do país. Qualquer esforço de pensar os riscos à frente indicaria o problema. Alckmin não é uma vítima da natureza, como Dilma não é. Eles tomaram decisões erradas e deixaram de corrigi-las pelo calendário eleitoral. Isso joga sobre 2015 uma enorme sombra. Aumentou o risco de desabastecimento em São Paulo e de um tarifaço de energia no país.


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