"Sem a perspectiva de um Nobel, a atitude que o
realismo recomenda aos colunistas é procurar
méritos modestos. Cumprir as promessas de
nunca mais fazer previsões, por exemplo"
Os colunistas que escrevem em VEJA ganharam dias atrás um problema novo. A responsável, quem diria, é a Real Academia Sueca de Ciências, que acaba de dar o Prêmio Nobel de Economia ao americano Paul Krugman, professor da Universidade Princeton e colunista do New York Times. Não há nada de mais, claro, com o fato de Krugman ser americano. Desde que foi criado o Nobel de Economia, em 1969, 70% dos prêmios foram para os Estados Unidos; ali, ao contrário do que geralmente ocorre em países latinos, economistas dedicam-se a entender o funcionamento dos fatos econômicos, em vez de passar seu tempo tentando entender a história da economia. Os méritos de Krugman também estão acima de discussão. Ele é um dos grandes mestres atuais na pesquisa de padrões internacionais de comércio e em geografia econômica; seus modelos são tidos como obras-primas de rigor matemático. Mas o homem também é colunista na imprensa – e, a partir de agora, um colunista que ganhou o Prêmio Nobel. Aí a coisa já muda. Como alguém que escreve para revistas ou jornais poderia competir nesse nível?
A esperança é que o diretor de redação de VEJA não se lembre de enviar um comunicado interno aos colaboradores da revista, chamando sua atenção para o novo patamar de qualidade que acaba de ser criado no colunismo mundial. Algo mais ou menos assim: "O New York Times agora tem um prêmio Nobel de Economia em sua equipe de colunistas. E vocês – estão pensando em fazer o quê, para melhorar o currículo?". Ganhar um Prêmio Nobel, de Economia ou de qualquer outra coisa, está obviamente fora de cogitação. Nunca antes, nos quarenta anos de história desta revista, um de seus jornalistas foi premiado pela Real Academia Sueca de Ciências – e a possibilidade de que isso venha a acontecer nos próximos quarenta é praticamente nula. (A colunista americana Maureen Dowd, que sente o problema muito mais de perto – ela escreve no próprio New York Times –, brincou recentemente com a idéia de tentar o Nobel da Paz, já que não acredita ter a menor chance em nenhuma das outras categorias; sua proposta é acabar com a guerra interna no Partido Republicano. Talvez alguém pudesse, por aqui, tentar algo parecido com o PSDB?) Sem a perspectiva de um Nobel, a atitude que o realismo recomenda aos colunistas é procurar méritos modestos. Cumprir as promessas de nunca mais fazer previsões, por exemplo. Não dar a impressão de que estão entendendo coisas que não entendem, como o comportamento das marés financeiras pelo mundo. Acreditar menos nas pesquisas eleitorais. Não escrever palavras como "presentificação".
Algum jeito vão ter de dar, porque um problema raramente vem sozinho. Agora mesmo, junto com o dever de não fazer muito feio na comparação com os artigos de Krugman, surgiu a tarefa de decifrar o que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está querendo que os jornalistas façam quando diz que terão de mudar a "matriz de informação" na qual trabalham. Que diabo quer dizer isso? Não se sabe, mas coisa boa com certeza não é – se algo tem de mudar, "em tudo o que é comunicação escrita, falada ou televisada", como diz Lula, é porque algo está errado. É uma complicação, pois muita gente do ofício nem desconfiava de que pudesse estar numa matriz – "matriz", no português comum, é coisa que está mais para padre do que para jornalista. O certo é que o presidente não está gostando nem um pouco do que vê na imprensa. Parece aflito, especialmente, com o atraso em que estariam vivendo os jornalistas deste país. "Já estamos há oito anos no século XXI ouvindo a mesma matriz de informação", lamentou Lula. "A mesma matriz ideológica."
A pista que o presidente deixou para que a imprensa saia dessa vida não ajuda muito. Pelo que deu para entender, ele quer que "os homens de comunicação" do Brasil se entendam com "os da Índia e África do Sul", para encontrar uma "linguagem do sul". Índia? África do Sul? Se já é duro lidar com a linguagem daqui mesmo, imagine-se então com outra, que ainda não existe e precisa ser encontrada nesses países remotos, nos quais a maioria dos jornalistas brasileiros nunca botou os pés. Não está claro, além disso, se os indianos e os sul-africanos têm o mesmo interesse de Lula em trocar a sua "matriz de informação", seja ela qual for, por alguma outra. Vai ser necessário, enfim, explicar a eles o que seria essa "linguagem do sul" – e que vantagens práticas levariam, caso aceitassem colocá-la no lugar da linguagem que têm utilizado até hoje.
É trabalho que não acaba mais.