"O chefe do governo dá a impressão de ser
o primeiro a não ter respeito por suas próprias
palavras, ou de não estar interessado em saber
se elas são respeitadas ou não"
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai chegando ao fim do seu sexto ano de governo com mais uma arrancada de declarações prodigiosas. "Tenho certeza de que vou fazer a minha sucessão", afirmou, numa das últimas ocasiões em que subiu ao palanque. Como a sucessão vai ser feita de qualquer jeito, o que Lula quis dizer, segundo se imagina, é que vai fazer o seu sucessor – ou seja, o homem já sabe, desde hoje, que o vencedor da eleição presidencial de 2010 será o candidato escolhido por ele. É o tipo de coisa que não deveria estar dizendo, tão antes da hora e tão pouco tempo depois de ter jurado que Marta Suplicy, a candidata na qual jogava todas as fichas nas últimas eleições municipais, seria eleita para a prefeitura de São Paulo. "Podem escrever: a Marta vai ganhar esta eleição", garantiu Lula alguns dias antes de sua preferida levar uma das maiores surras que os eleitores da cidade já aplicaram em alguém nos últimos anos. Com que cara ficaria quem tivesse escrito isso? Problema de quem acreditou; garantias dadas três meses atrás já são, para o presidente, material enterrado no fundo do arquivo morto. Lá vai ele de novo pela mesma trilha, sem mudar de idéia e sem mudar de assunto.
Adiantaria alguma coisa as pessoas acreditarem ou não naquilo que diz o presidente da República? Talvez não faça grande diferença, pois os fatos continuam sendo os fatos, não importa o que Lula diga sobre eles. Mas vai ficando claro que em geral faz papel de bobo, ou perde o seu tempo, quem leva a sério o que o presidente diz. Lula, com certeza, desrespeita o público quando insiste em dizer qualquer disparate que lhe passe pela cabeça. E o público, por sua vez, também não precisa mais respeitar o presidente, quanto se torna inútil prestar atenção nos seus discursos. Por que haveria de respeitar, se não é respeitado? Na verdade, o chefe do governo dá a impressão, freqüentemente, de ser o primeiro a não ter respeito por suas próprias palavras, ou de não estar interessado em saber se elas são respeitadas ou não.
O que se pode pensar de diferente, por exemplo, diante da última tirada de Lula sobre as semelhanças entre a Presidência da República e a medicina? O presidente, neste seu embalo de fim de ano, ensinou que um bom médico deve dizer a verdade ao seu paciente, mas ao mesmo tempo precisa animá-lo com a perspectiva de novos remédios e avanços científicos; não pode, diante de uma doença séria, simplesmente lhe dizer "sifu". Está certo, não pode mesmo, mas por que falar desse jeito? A desculpa dada pelo mundo oficial é que Lula, no caso, estava falando na "linguagem do trabalhador". Conversa. O trabalhador de verdade, quase sempre, faz justamente o contrário: fora da sua intimidade, toma muito cuidado com as palavras que emprega, e presta muita atenção para não parecer mal-educado diante de quem as ouve. Lula não disse "sifu" porque queria entrar em comunhão com o povo, mas porque não pensou no que estava falando – só isso e nada mais. Palavras, para o presidente, são coisas baratas, que vêm com o vento e vão embora com ele. Podem até ser apagadas das transcrições oficiais, como aconteceu com a expressão usada nesse episódio, sob a extraordinária justificativa de que ela ficou "inaudível"; um caso de alucinação em que todo mundo ouve exatamente a mesma coisa, salvo o funcionário encarregado de colocar por escrito a fala do chefe.
O palavreado ao acaso de Lula fica menos engraçado quando deixa sua função de animar auditório e passa a ser utilizado, como vive acontecendo, para envenenar o debate público e ocultar deliberadamente a verdade. Há um método aí. Mais uma vez, dias atrás, o presidente repetiu que "tem gente torcendo" para o Brasil quebrar. "Tem gente que vai deitar rezando: ‘Tomara que a crise pegue o Brasil, para esse Lula se lascar’ ", afirmou. Nunca diz quem é essa "gente"; deveria dizer, é claro, para o público se defender das pessoas que pretendem quebrar o país. Mas o que Lula quer é outra coisa – é passar a idéia de que quem se opõe a ele e ao seu governo é inimigo do Brasil. Da mesma forma, partiu para cima dos "empresários que na primeira diarréia" correm atrás do governo pedindo dinheiro. Quem são eles? Lula não deu o nome de nenhum. O grande nome que se sabe, nessa história de receber favores do governo, é o de uma empresa chamada Telemar, com a qual está acontecendo exatamente o que Lula faz de conta que condena – na verdade, briga como um leão por ela, mesmo se para ajudá-la for preciso mudar a lei. Fato, por enquanto, é só esse.