Jacques Rogge O grande perigo
Política

Jacques Rogge O grande perigo



O Globo - 02/03/2011
 

Na qualidade de líder do movimento esportivo global, o Comitê Olímpico Internacional tem obrigação moral e ética de proteger a integridade do esporte. Há muitos anos temos travado uma batalha contra o uso de substâncias ilegais e obtivemos muitas vitórias, o que nos deixa orgulhosos. Mas, à medida que nossa campanha contra o doping continua, agora também estamos intensificando nossos esforços contra outro flagelo que ameaça a credibilidade do esporte: as apostas ilegais. No dia 1º do mês passado, realizamos um inédito simpósio reunindo autoridades esportivas, organizações públicas internacionais e empresas de apostas para discutir formas de reprimir atividades ilegais. Ficamos encorajados pelo apoio que recebemos dos participantes, que incluíram a Interpol, a ONU e representantes de governos tão distintos como China e Austrália. 

O potencial para a corrupção está num dos níveis mais altos da história em função do advento das apostas pela internet e pela subsequente anonimidade, bem como a liquidez e o volume por elas proporcionadas. Pode-se argumentar que agora há muito mais tentações e pressões para atletas, técnicos e dirigentes em termos de oportunidades para tentar trapacear. E o pior é que esse câncer continua amplamente desregulamentado em muitas partes. 

Estamos otimistas que nossas discussões irão resultar em alguma ação coordenada contra as apostas irregulares. Não estamos falando do tipo de operação oferecida por loterias nacionais e entidades privadas, que constituem uma grande fonte de receita para o esporte. Mas sim as operações ilegais que têm o poder de causar enormes danos à credibilidade do esporte, levando à apatia dos espectadores, quedas de público, telespectadores e redução de interesse dos patrocinadores. Algo que pode até mesmo fazer com que as pessoas sequer participem de atividades esportivas em primeiro lugar. 

Ainda não foram detectadas formas de apostas ilegais nos Jogos Olímpicos, mas não somos inocentes. Sabemos que este dia chegará e temos de estar vigilantes e de contar com medidas que limitem os efeitos de apostas ilegais e desestimulem reincidências. O COI tem lidado com o problema desde 2005, e de certa forma nossos esforços se assemelham aos da luta contra o doping. Nossa primeira medida foi liderar pelo exemplo e adaptar nossa regras, além de despertar conhecimento sobre o problema por meio de programas educacionais, seminários e de propostas para um plano de ação unificado do movimento esportivo. Temos sido proativos em nossa mensagem e continuaremos em busca de diálogo. 

No momento estamos encorajando todos os nossos parceiros de movimento olímpico a adotar regras que proíbam apostas ilegais em esportes específicos. Inicialmente conversamos com esportes que já lidaram com casos de manipulação de resultados para nos ajudar. Críquete, tênis e futebol fizeram um trabalho notável nesse departamento, mas ainda há muitas federações internacionais e comitês olímpicos nacionais que não possuem legislação de combate a apostas ilegais. Sem leis, não podemos punir os trapaceiros. O apoio dos governos também é fundamental. São eles que têm autoridade para criar uma estrutura de regulamentação de apostas. Também têm o poder de conduzir investigações e de iniciar procedimentos judiciais. No momento em que fica bastante óbvio que grandes redes criminais estão se beneficiando de apostas ilegais, pedimos às autoridades que criem legislação específica para combater a manipulação de resultados no esporte. 

Estamos também monitorando as apostas nos Jogos Olímpicos. Estabelecemos uma companhia chamada International Sports Monitoring (ISM), que terá a função de investigar possíveis atividades suspeitas nos mercados de apostas, em conjunto com 300 companhias legais. Quando algum padrão irregular é detectado, o COI é avisado e pode trabalhar com as respectivas federações e comitês. Se há algo suspeito, imediatamente lançamos uma investigação. Felizmente, não precisamos ativar esse sistema nem nas Olimpíadas de Pequim (2008) nem nos Jogos de Inverno de Vancouver (2010). Mas ainda precisamos de um esforço sério e coordenado, pois está cada vez mais difícil detectar trapaceiros, que agora deixam de buscar os grandes eventos ou jogos para se concentrar em eventos com menos atenção da mídia e do público. Esse é o grande perigo. 

Ainda temos um longo caminho a percorrer, mas estou confiante de que seguimos na direção correta. Acredito que nos próximos anos poderemos até ter um organismo internacional cuidando da vigilância, nos mesmos moldes da WADA, a Agência Internacional Antidoping, e que a luta contra as apostas ilegais será também obrigatória para entidades esportivas que queiram participar do movimento olímpico. A luta apenas começou. Todos nós precisamos nos juntar contra os trapaceiros que querem lucrar com a popularidade do esporte. 




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