Livros
Mais ou menos adulto
Cheio de mistérios góticos e reviravoltas, o novo
romance do autor de A Sombra do Vento é pueril
– mas vai agradar a muito marmanjão
Jerônimo Teixeira
Bernat Armangue/AP |
METÁFORAS DUVIDOSAS |
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No site oficial do espanhol Carlos Ruiz Zafón, o best-seller A Sombra do Vento é apresentado como "seu primeiro romance para adultos" – o autor tentara a sorte antes com uma trilogia de obras juvenis. Supõe-se que O Jogo do Anjo (tradução de Eliana Aguiar; Objetiva/Suma de Letras; 416 páginas; 39,90 reais), que chega nesta semana às livrarias brasileiras, caia na mesma categoria – um romance "adulto". De fato, tem certo material pouco recomendável para crianças: cenas eróticas, ainda que tímidas, e um tanto de violência. Mas, depois do fenômeno Harry Potter, a fronteira já difusa entre o "adulto" e o "juvenil" foi definitivamente apagada. Os livros de J.K. Rowling, afinal, destinavam-se à garotada, mas eram lidos com prazer por muito marmanjão. A Menina que Roubava Livros, do australiano Markus Zusak, também fez sucesso nessa faixa indecisa. E o mesmo vale agora para O Jogo do Anjo: seu entrecho gótico e aventuresco é francamente pueril – mas quem se importa?
O novo livro tem um climão de mistério bastante envolvente, embora Zafón exagere nas cenas de ação improvável – muitas lutas em que a navalha pára sempre a centímetros do peito do herói – e nas metáforas duvidosas ("o primeiro suspiro da aurora roçou a janela"). A história se passa nos anos 20, na mesma Barcelona de cores fantasmagóricas de A Sombra do Vento (cuja ação tem lugar décadas mais tarde, no pós-guerra). "Nas minhas histórias, Barcelona é mais do que um cenário: é uma personagem", disse Zafón a VEJA. Como o livro anterior, esta é uma história sobre o fascínio e a maldição da literatura. O protagonista, David Martín, é um jovem pobre que deseja se tornar um escritor respeitável, mas ganha a vida com romances de mistério assinados com pseudônimo. Desprezado por críticos e ignorado pelo público, seu único livro "sério" tem de buscar refúgio no Cemitério dos Livros Esquecidos, o fascinante santuário de obras obscuras ou perseguidas que já aparecia em A Sombra do Vento. Para piorar a situação, Martín tem um tumor inoperável que ameaça levá-lo à morte. É quando surge uma salvadora proposta – ou um pacto, ao modo de Fausto – do misterioso editor Andreas Corelli. As desgraças que advêm do acordo levarão Martín a ter saudade do tempo em que era um escritor de ingênuas tramas de aventura. De certa forma, esta é a chave do livro: a Literatura, como maiúscula adulta, tem qualquer coisa de maldito. O leitor estará em terreno seguro se divertindo com os enredos rocambolescos de Zafón.
O cemitério dos livros esquecidos "O que está vendo aqui é a soma de séculos de livros perdidos e esquecidos, livros que estavam condenados a ser destruídos e silenciados para sempre, livros que preservam a memória e a lama de tempos e prodígios que ninguém mais lembra. Nenhum de nós, nem os mais velhos, sabe exatamente quando foi criado ou por quem. Provavelmente, é quase tão antigo quanto a própria cidade e foi crescendo com ela, à sua sombra." Trecho de O Jogo do Anjo |