Era noite quando um advogado de empreiteiras entrou no escritório paulistano da contadora Meire Poza, que trabalhou para Alberto Youssef, personagem central dos casos de corrupção na Petrobras. A conversa, gravada, faz parte do processo público. Alguns trechos:
— Dona Meire, eu quero que a senhora entenda que faz parte de um grupo fechado.
— Imagina... (Risos)
— Faz parte, faz parte, faz, faz, faz, sim.
— Nem do grupo da Igreja eu faço parte.
— Sabe, essas pessoas se ajudam, né? São poucas pessoas, privilegiadas, que se ajudam.
— É, mas eu não tô nesse grupo. Eu posso garantir que eu não tô nesse grupo.
— E nós nos ocupamos integralmente desse caso. Além do que a senhora faz parte de um dos principais... núcleos. Então, a gente não pode deixar que a senhora não aceite essa ajuda.
— Mas eu não vou aceitar, doutor (...)
— É uma ajuda. Eu quero que a senhora entenda isso. Não tem como ser recusado, sabe.
— Tem, doutor. Eu tô recusando. Eu não quero ajuda (...)
— Agora, não dá pra sair assim, sabe? Ninguém quer ser prejudicado.
— Tô começando a não gostar dessa conversa (...)
— Dona Meire, o importante é não falar demais.
— Doutor, eu sou burra. Vocês me acham esperta, mas eu sou burra pra caramba. É a segunda vez que a gente fala, e eu tô com a sensação... Tô achando que vocês estão me ameaçando.
— A senhora pode, sem querer, ir contra grandes empresas, políticos, construtoras, as maiores do país, a senhora entendeu? (...)
— Doutor, eu entendi. Deixa eu falar uma coisa... Não põe a mão em mim, por favor, porque eu não gosto. Deixa eu falar uma coisa...
— Desculpa.
— Tá, tá desculpado. Tem três coisas que me irritam profundamente e até agora você fez as três: você falou da minha filha...
— Não, não, você tá nervosa.
— Não, não tô nervosa. Você falou da minha filha. Vocês estão me pressionando, ameaçando.
— Não, não existe pressão (...)
— Doutor, deixa eu te falar uma coisa? Nós não vamos conversar mais, eu não quero (...)
— Não, não, calma. Toma mais uma água.
— Não, não quero água. Olha, vamos parar por aqui. Eu não quero a ajuda de vocês. Eu já falei que eu não quero dinheiro, deixei isso claro. A única coisa que eu quero é esquecer tudo isso e tocar a minha vida (...)
— A gente precisa conversar.
— Não. Obrigada por ter vindo, doutor (...)
— Desculpa, não era essa a intenção.
— Não, não era... Antes que eu me esqueça, o senhor vai me fazer uma outra gentileza: o senhor provavelmente vai estar lá com os seus clientes, com a Camargo, com a UTC, Constran, com a OAS...
— Pois não, pois não, ok.
— Manda todo mundo ir tomar ***.
— Não, não faz isso...
Aconteceu há três meses, na quarta-feira 24 de setembro. A Justiça considerou a gravação uma prova de ameaça a testemunha, e um dos motivos para manter presos dirigentes de empreiteiras envolvidas em corrupção. Juízes dizem que o país mudou, mas algumas empresas e seus advogados ainda não perceberam.
José Casado é jornalista
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