A surpresa provocada pela escolha da nova equipe econômica ainda não foi totalmente assimilada. Nos discursos, entrevistas e, sobretudo, nos primeiros atos dos economistas nomeados, a linha ortodoxa adotada dá sinais de prevalência na condução das questões da economia. Mas, tanto entre a oposição política à presidente reeleita Dilma Rousseff quanto entre aliados mais à esquerda, a impressão é a de que não se acredita que essa pretensa nova linha de conduta terá vida longa.
Com a escolha de Joaquim Levy para chefiar a Fazenda, economista com antecedentes tucanos que serviu no primeiro governo Lula, Dilma entupiu o discurso econômico oposicionista, apropriando-se da proposta de instalação de um ciclo de austeridade na economia, central no discurso da oposição. Restou desconfiar de que a conversão de Dilma não era nem um pouco sincera, depois de tudo o que declarou e praticou em quatro anos de governo e, sobretudo, nas reiterações contrárias do marketing de sua campanha eleitoral.
Um reforço do argumento da desconfiança veio logo nas primeiras horas do segundo mandato. Dilma obrigou seu novo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, que anunciara estudos para rever a fórmula de reajuste do salário mínimo, a divulgar nota com um desmentido formal de que haveria mudança no cálculo. Dobraram, a partir do episódio, as apostas na brevidade da presença da dupla Levy-Barbosa no Ministério e, em consequência, da linha de austeridade prometida.
Na disputa política instalada depois das eleições de 2014, haverá espaço, diante dos "antecedentes" de Dilma, para se considerar que a qualquer momento o "bom caminho" deixará de ser trilhado, por mais que as ações do governo se mantenham na linha anunciada. Um dos principais problemas desse raciocínio está no conceito de "bom caminho". E trapalhada em torno da regra de correção do salário mínimo é ilustrativa.
A regra atual determina que o reajuste se dê pela combinação da variação da inflação com a do PIB dois anos antes. Barbosa tentou lançar a discussão sobre a substituição da fórmula atual, vigente até 2015, por uma outra que trocasse a variação do PIB pela da produtividade ou pela variação do PIB per capita. Qualquer das regras, no entanto, mantém, na pior das hipóteses, uma atualização real do salário mínimo — seu valor, em todas as variantes, seria reajustado minimamente pela inflação.
Contudo, não prosperou, a partir do episódio que contrapôs Dilma e Barbosa, um debate, talvez necessário, sobre a conveniência econômica da manutenção de uma regra fixa para o reajuste do mínimo. A regra atual e as propostas são todas pró-cíclicas — o mínimo sobe mais quanto mais cresce a economia —, mas é de se pensar se uma fórmula rígida é o melhor e, em caso afirmativo, se a fórmula não deveria ser contracíclica.
O que, enfim, prevaleceu na história do reajuste do salário mínimo nem foi o fato de que a fórmula preferida por Dilma é a que, pelo menos até 2017, na comparação com as sugestões de Barbosa, tende a produzir a menor correção do mínimo, sendo, portanto, a mais "austera". A marca do evento foi a intervenção de Dilma, desautorizando seu ministro e reforçando a impressão de que a surpreendente conversão da presidente à austeridade ortodoxa não seria para valer.
É visível que está armado um ambiente propício à disseminação de uma espécie de profecia autorrealizadora — algo que acaba acontecendo porque se espera que aconteça. Impossível, pelo menos por enquanto, saber até onde Dilma terá de bancar cortes e restrições de gastos para dissolver as desconfianças em relação à sinceridade de seus propósitos de reequilibrar a economia. E evitar que todo o esforço nesse sentido acabe sendo em vão.
José Paulo Kupfer é jornalista
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