Ao se lançar pela segunda vez na disputa pela Presidência da República, o candidato do PSDB, José Serra, defende um Estado mais ativo e menos obeso para fazer o Brasil avançar
ÉPOCA – O senhor disse recentemente que o Brasil não protege como deveria suas empresas da competição asiática. Além da infraestrutura, isso é outro problema para a competitividade nacional, não?
Serra – A China e outros países do Sudeste Asiático usam práticas desleais de comércio. O Brasil não se defende bem disso. Não é uma novidade. Essa deficiência não começou neste governo. Tem de ter uma área de comércio exterior mais centralizada no Brasil, como têm os Estados Unidos. O comércio exterior está muito pulverizado na máquina governamental. A Câmara de Comércio Exterior, que foi proposta minha na época do governo Fernando Henrique, não tem agilidade para isso. Hoje, os órgãos que interferem são de uma multiplicidade... Um dos problemas é a alfândega. Você tem de ter preços de referência nos produtos. Ou seja, o produto passa a ser tributado pelo preço de referência, mesmo se ele for mais barato. Os Estados Unidos fazem isso bem. Há uma prática desleal de comércio tradicional: você vende subfaturado e recebe por fora para pagar menos imposto. Na China, as exportações para o Brasil eram mais ou menos o dobro das importações registradas do Brasil na área têxtil. Esse é um problema que não foi resolvido no Brasil e que ficou dramático desde que houve a abertura econômica.
ÉPOCA – Na política macroeconômica, o Brasil estabeleceu um tripé baseado em metas de inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal. O senhor vai manter esse tripé?
Serra – Olha, sem ser pretensioso, eu tenho a impressão de que quem fez a denominação "tripé" fui eu. Eu sempre defendi esse esquema. A lei de responsabilidade fiscal existe porque eu introduzi na Constituição um dispositivo que autorizava fazer uma lei de finanças públicas. As metas de inflação são um instrumento importante até para regular as expectativas, que têm um papel fundamental no ritmo da própria inflação. E o câmbio flutuante, até ele acontecer, ninguém defendeu, exceto o Ibrahim Eris (ex-presidente do Banco Central), porque havia muito temor a esse respeito. Ninguém, nem ortodoxos nem heterodoxos, ninguém falava disso. Mas o fato é que o câmbio flutuante se revelou o sistema mais realista, de forma que esse tripé está aí para ficar.
ÉPOCA – Nisso não há o que mexer...
Serra – Não. Agora, a forma como você aplica cada uma das coisas não é única, sempre é determinada. Nós não estamos falando de ciências matemáticas ou físicas. E mesmo as físicas, hoje, já são relativas.
ÉPOCA – Alguns economistas defendem a necessidade da autonomia para o Banco Central. O que o senhor acha dessa ideia?
Serra – O BC brasileiro já tem bastante autonomia na prática. Quando falam que querem fazer um banco igual ao FED (o banco central americano), isso, na verdade, implicaria ter de mudar totalmente o Banco Central, porque o FED, por exemplo, não tem a função de supervisão bancária. Você teria de fazer uma legislação muito complexa. Não creio que seja necessário.
ÉPOCA – O governo Lula se aproximou de Cuba, onde há casos de greve de fome de presos políticos; da Venezuela, onde há crescente repressão aos movimentos de oposição; e do Irã, que é quase um pária na cena internacional. Ele não se manifesta para condenar nenhum desses países. Qual é sua opinião sobre essa política externa?
Serra – Defendo a política de autodeterminação. Você não deve interferir nos assuntos de outros países. Por outro lado, nós temos também uma responsabilidade com direitos humanos e com democracia. O Brasil deve fazer ativamente todas as gestões que puder fazer no sentido de serem respeitados os direitos humanos. Um princípio tem de ser claro. Onde há preso por opinião, não há uma democracia. Isso não significa que não vamos ter relação com esse ou aquele país. Mas isso significa também que, dentro da ideia da autodeterminação, podemos exercitar nossa influência no sentido de atenuar essas situações.
"O tripé responsabilidade fiscal, metas de inflação e câmbio flutuante está aí para ficar. O Banco Central já tem bastante autonomia. Quando falam em fazer o banco igual ao FED, não acho necessário"
ÉPOCA – Como o senhor vê sua principal adversária, a ex-ministra Dilma Rousseff?
Serra – Fica meio despropositado como competidor analisar agora cada uma das pessoas. Sempre tive relações cordiais com ela. Espero que a campanha seja cordial dentro do possível.
ÉPOCA – Na semana passada, ela foi a Minas Gerais e visitou o túmulo de Tancredo Neves e tentou atrair os votos dos eleitores do ex-governador Aécio Neves.
Serra – Eu não vou entrar nesse assunto. Aí é ti-ti-ti...
ÉPOCA – No discurso de saída do governo, Dilma associou os tucanos aos "viúvos da estagnação".
Serra – Na campanha, vamos ter oportunidade de debater essas questões com ela.
ÉPOCA – No discurso de despedida do governo de São Paulo, o senhor disse que não permitiu "roubalheira". Foi uma referência aos governos petistas?
Serra – Eu estava expondo qual é minha luta à frente de um governo, dando como exemplo São Paulo. Que a corrupção é um problema na vida pública brasileira, isso é. Ninguém está imune a ter desvios, problemas e tudo mais. Você pode dizer: isso sempre é um ponto de partida, não é programa de governo. De fato, você não faz um programa de governo: "Vou ser honesto, não vou ser corrupto". Mas isso é um valor sem dúvida nenhuma. Eu estava sublinhando a importância desse valor. A imprensa deu uma ênfase ao que era uma parte restrita do discurso, e alguns vestiram a carapuça sem que minhas palavras tivessem sido direcionadas. Você vai olhar os escândalos no Brasil. Não são exclusivos do PT.
ÉPOCA – O senhor acredita em Deus?
Serra – Acredito.
ÉPOCA – Pratica alguma religião?
Serra – Eu sou católico. Não sou militante, digamos assim, mas sou católico.
ÉPOCA – O senhor diz que é sério, sem ser sisudo. Pessoas que trabalham com o senhor notaram recentemente uma melhora em seu humor.
Serra – Para mim, o humor depende do sono.
ÉPOCA – O senhor está dormindo?
Essa é a novidade. (Risos.)